Por Luciana Ramos
Em entrevistas à imprensa, Pedro Almodóvar declarou que seu novo filme, fruto da adaptação de três contos de Alice Munro, iria originalmente se chamar “Silêncio”, mas o mudou por razões mercadológicas. Sem deméritos a escolha de “Julieta”, pode-se dizer que tal nome seria bastante apropriado, visto que a personagem-título revela-se muito mais no que não expressa em palavras.
De fato, o caráter comedido dessa obra em relação à filmografia pregressa do diretor é impressionante. O visual kitsch, as passagens nonsense, as reviravoltas e o humor foram descartados e o que se vê é um drama mais cru, um ensaio psicológico sobre uma vida e o modo como trabalha o equilíbrio entre suas perdas e ganhos.
Para isso, ele opera em duas frentes, separando sua Julieta em versões jovem e madura. Muitas vezes contrastantes, elas se complementam na complexidade do que é ser uma mulher e aborda questões como maternidade, libido, depressão e culpa.
A madura Julieta (Emma Súarez) parece resignada e pronta para trocar Madri por Portugal e “nunca mais voltar”, como fala ao namorado Lorenzo (Dario Grandinetti). Porém, ao se deparar com uma amiga de sua filha, ela é forçada a confrontar o passado há muito soterrado. Este reacende a esperança do reencontro com Antía (Blanca Parés), que não vê há anos.
Sem muitas alternativas, decide destilar sua vida em páginas em branco numa carta sem destino certo, onde acerta contas e discorre sobre a culpa que sente por conta de uma tragédia. Então, o espectador é guiado ao conhecimento paulatino das suas experiências, traduzidas no amor proibido e libidinoso, no desconforto da sua relação paterna e na intrínseca relação entre desejo (consumado ou repelido) e morte.
A todo tempo, são jogadas novas informações que tecem expectativas de confrontações, mas estas são raríssimas. Ao diminuir o tom melodramático da narração (ainda que não o abandone por completo), Almodóvar frustra o seu material de maior aprofundamento, relegando-se ao mero retrato de uma vida e suas significações.
Estas são interessantes e representadas imageticamente por símbolos bem construídos, mas tornam-se cansativas com as repetições. Como resultado, há uma oscilação de ritmo importante que afeta a sua profunda apreciação.
A suavização do exagero de “Julieta” denota a maturidade do seu criador e tal relação pode ser observada esteticamente. Trabalhando essencialmente com cores primárias, Almodóvar ainda preenche a tela com seu vermelho vibrante e característico, inserido na roupa da protagonista, na parede da casa, no carro. Entretanto, a cor é entrelaçada por brancos e beges em enquadramentos amplos que a relegam à condição acessória, não mais imperativa. Há, ainda no plano imagético, uma predileção pelos planos de detalhes, aliados a movimentações sóbrias de câmera que acompanham os personagens sem nunca sobrepor-se à narrativa.
No entanto, não estão nas falas a força do filme, mas nas expressões das duas atrizes principais. A angústia do olhar de Emma Súarez, fruto da acomodação da dor com a passagem do tempo, soma-se à complexidade de experiências da jovem Julieta, explorada com maestria nas expressões faciais de Adriana Ugarte, que constantemente denunciam os seus sentimentos.
Ao longo de uma hora e meia, “Julieta” revela o panorama de uma vida onde cada ganho consiste numa perda anunciada e essa sucessão deixa marcas incuráveis na sua protagonista. A ausência de características de obras anteriores de Almodóvar fazem falta na narrativa, em especial na necessidade não suprimida de pausas. Ainda assim, revela-se um trabalho superior aos seus últimos longas, mais conectado com o seu passado e ao mesmo tempo denunciante de uma maturidade artística.
Ficha técnica
Ano: 2016
Duração: 99 min
Nacionalidade: Espanha
Gênero: drama
Elenco: Adriana Ugarte, Emma Súarez, Inma Cuesta
Diretor: Pedro Almodóvar
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