Por Luciana Ramos
Admiradores da literatura comumente confiam no talento bruto dos seus autores como fonte única das suas obras mais queridas. Preferem assim ignorar o trabalho artesanal de edição a que cada livro é submetido, sempre no intuito de extrair o seu melhor e, por conseguinte, enxuga-lo de possíveis exageros. Ao contrário de outros filmes voltados a recontar a vida de autores consagrados, “O Mestre dos Gênios” propõe-se a esmiuçar exatamente esse árduo processo através do relacionamento entre o editor Maxwell Perkins (Colin Firth) e Thomas Wolfe (Jude Law).
Reconhecido no seu tempo como descobridor de grandes talentos, de F. Scott Fitzgerald a Ernest Hemingway, Perkins recebe com certo descrédito um calhamaço de papel, ao qual começa prontamente a ler. No trem após o expediente, continua a ler. Assim o faz no jantar com a família, no escritório, na madrugada. Seu interesse pela história o impede de largar o livro por um segundo e é assim que ele concorda em trabalhar com até então renegado Thomas Wolfe.
No entanto, para ele, a genialidade do escritor é ofuscada pelos seus devaneios, que ocupam páginas e páginas. Sem pestanejar, corta sentenças sob protestos inflamados e verborrágicos de Wolfe. Da relação profissional surge uma sólida amizade, onde os contrapontos – o pragmatismo e espírito paternal de um e a impetuosidade genial do outro – parecem atuar em favor de um equilíbrio frutífero.
Como não poderia deixar de ser, a devoção de ambos ao trabalho faz com que eles releguem suas famílias a segundo plano, gerando certo nível de ressentimento por parte de Louise Perkins (Laura Linney), esposa de Max, e Alice Bernstein (Nicole Kidman), namorada do escritor. O conflito é fomentado pela disposição do artista a explosões verborrágicas e consumo abusivo de bebidas, o que o leva a constantemente testar os limites daqueles ao seu redor.
O longa, que marca a estreia do diretor teatral Michael Grandage nos cinemas, escapa das comuns armadilhas em filmes sobre o mundo literário por não ater-se às fatigadas cenas de escrita, montadas com uma musica melancólica que exprime o cansaço do artista. Em contraponto, aposta no dinamismo de um trabalho essencialmente artesanal, que combina criatividade e pragmatismo. Por meio de planos bem compostos e dotados de certa extravagância em tom sépia, um jogo cerebral estabelece-se, enaltecido pelo aspecto humano que permeia a relação entre os dois homens.
A trama segue assim até determinado momento, quando sucumbe ao clichê de tentar abarcar elementos narrativos demais em uma só história, deixando arestas mal aparadas pelo caminho. Um exemplo é o clamor artístico de Louise, claramente um apelo velado de atenção. Incitado em determinados momentos, é quase totalmente abandonado em certo ponto, reaparecendo em cenas pouco eficazes, como a que mostra o seu ressentimento quando Max opta por trabalhar ao invés de ir a um piquenique de família.
O namoro de Thomas com a possessiva Alice sofre do mesmo modo. Ainda que receba mais destaque na trama, é vítima de saídas narrativas fáceis, como arroubos dramáticos que não são continuados ou uma conversa excessivamente explicativa em que ela decide revelar a real face de Thomas ao seu editor.
O acúmulo de pequenas falhas torna o que seria um excelente filme em um produto regular; interessante, porém pouco marcante. A sensação que fica é a de que seria necessário um profissional como Max Perkins para editar o roteiro. De todo modo, o longa serve para atiçar a curiosidade não só sobre a obra de Wolfe, considerado um dos grandes escritores do século XX, como também sobre a vida de um gênio de apurado senso estético que fomentava outros talentos, o editor Maxwell Perkins.
Ficha técnica
Ano: 2016
Duração: 104 min
Nacionalidade: EUA, Inglaterra
Gênero: biografia, drama
Elenco: Jude Law, Colin Firth, Nicole Kidman, Laura Linney
Diretor: Michael Grandage
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