Por Luciana Ramos
Emily Dickinson ficou conhecida após a sua morte pelas palavras, nas quais exprimia angústias e reflexões sobre o significado da vida. Tida como uma das poetisas mais importantes dos Estados Unidos, ganha nas mãos de Terence Davies uma autobiografia que não se propõe a remontar os eventos mais importantes da sua vida, mas usa as suas palavras como forma de desvendar seu espírito.
O filme se conjetura como uma série de eventos – alguns de impacto dramático, outros meras exposições do cotidiano – que, unidos, fornecem a dimensão do que Dickinson foi em vida. A narrativa clássica, por tanto, é substituída pelo discurso, ferramenta de exposição de ideias: logo ao início, a contraposição de visões entre a protagonista e um grupo de freiras leva a sua expulsão da Mount Holyloke College; um encontro com uma tia suscita outra discussão sobre religião e o papel do homem na construção do seu destino.
De ideia em ideia – sobre assuntos como tempo, fidelidade e morte – a personagem apresenta sua complexidade, que abraça o paradoxo por ser uma mulher à frente de seu tempo, mas ter que se subjugar às convenções sociais (como pedir permissão ao pai para escrever). Vista pelos outros como pouco ortodoxa e às vezes radical, Dickinson (Cynthia Nixon) apoia-se no amor de sua família, mas mesmo esta mostra-se incapaz de sanar sua evidente solidão, jorrada nos seus poemas.
Estes são declamados em meio as cenas como forma de complemento à ação mostrada oferecendo, assim, mais material para o espectador montar na sua mente o quebra-cabeça de Emily Dickinson. Trata-se portanto de uma obra cerebral, que se afasta de sentimentalismos em uma narrativa pautada essencialmente pelo diálogo.
A estética flui nesse mesmo sentido, ajudando a compor o isolamento de Emily: a cena inicial dá o tom da produção, enquadrando a personagem sozinha em um plano aberto; quando na presença da família, ela é posta em destaque, seja pelo posicionamento do seu corpo ou olhar, como forma de enaltecer o seu não-pertencimento. As cenas também são filmadas de forma alongada, trabalhando o silêncio como um instrumento tão importante quanto a fala.
Embora atinja seu objetivo de fornecer uma obra mais rebuscada do que as biografias tradicionais, Terence Davies não exime-se de repetições desnecessárias, em especial no final, que tornam o longa um tanto cansativo. Ademais, perde-se no devaneio de incluir uma sequência sobre a Guerra Civil que, embora interessante em conteúdo, é apresentada por meio de ferramentas que perdem o sentido estético por não serem replicadas em nenhum outro momento do filme.
Por meio de um trabalho de construção de uma personagem em torno dos seus poemas, o longa cultua as exposições orais de Emily Dickinson como forma de desvendar sua natureza enigmática. Com uma abordagem inesperada, Terence Davies consegue homenagear uma das figuras americanas mais importantes através do seu legado: suas palavras.
Ficha técnica
Ano: 2016
Duração: 125 min
Nacionalidade: Grã-Bretanha, Bélgica
Gênero: biografia, drama
Elenco: Cynthia Nixon, Jennifer Ehle, Duncan Duff
Diretor: Terence Davies
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