Por Luciana Ramos
O cenário do início dos anos 90 no Brasil assemelhava-se ao de um filme de terror. Uma total ineficiência econômica, pontuada pela sucessão de diferentes planos fracassados alavancava a chamada hiperinflação, provocando altas absurdas de preços da noite para o dia.
Essa configuração é ponto de partida de “Real: O Plano Por Trás da História”. Diante da situação, o então presidente Itamar Franco (Bemvindo Siqueira) escalou Fernando Henrique Cardoso (Norival Rizzo) para assumir a pasta da Fazenda com uma missão: por fim à crise econômica. Ele, por sua vez, reúne um time de talentosos economistas para a missão. Dentre eles está Gustavo Franco (Emilio Orciollo Neto), professor igualmente brilhante e frustrado que trata o objeto com olhar clínico e promove a ideia de um plano audacioso, que concilie duas moedas em circulação de uma só vez.
Assim, a trama do longa de Rodrigo Bittencourt discorre sobre os bastidores da criação da moeda nacional em voga até hoje, fomentando-a com a tensão diante das incertezas do mercado da época, além dos conflitos interpessoais que pontuaram o processo.
Para isso, acertadamente esquiva-se de maniqueísmos tão comuns a produções brasileiras: cada personagem é dotado de complexidade e interesses próprios que, por vezes, conflitam com proposta econômica. O maior exemplo disso é a construção do protagonista, Gustavo, conhecido por seu temperamento amargo e arrogância. Ainda que antipático à primeira vista, redime-se pela devoção ao plano que criou, tornando suas motivações e frustrações bem fundamentadas.
O filme ganha outras dimensões de apreciação diante dessa construção, indo além da simples concatenação dos fatos históricos – aos quais são tomadas algumas liberdades artísticas. Demonstra, com isso, qualidade narrativa: é envolvente por conta da tensão apresentada, além de técnico na medida certa. Muito se beneficia também da edição ágil, que oferece o tom dinâmico à produção.
Ainda como destaque tem-se a atuação de Emilio Orciollo Neto, talvez no melhor papel de sua carreira. Na construção de seu herói as avessas, concede profundidade por conseguir revelar toda a fragilidade escondida nos ataques, dosando paixão e ambição com igual afinco.
Ainda que muito bem construído, o longa cai em armadilhas. A maior delas vem do fato de ter claramente um produto do seu tempo, ou seja, de refletir as tensões atuais da politica brasileira, usadas como ponto de debate em uma trama passada há mais de 20 anos. Mesmo preocupando-se em mostrar a politicagem de modo amplo e irrestrito (criticando a todos), a inclusão de algumas passagens fazem-no correr o risco de tornar-se datado em pouco tempo. Além disso, a trama é conduzida a um ponto além do necessário, escolha que provoca um oscilação de ritmo ao final do filme.
Baseado no livro “3.000 dias no bunker: um plano na cabeça e um país na mão”, de Guilherme Fiuza, o longa de Bittencourt expõe detalhadamente os bastidores do ambicioso plano econômico elaborado para tirar o Brasil da bancarrota. Ágil, é capaz de captar rapidamente a atenção do espectador e conduzi-lo pelos bastidores da política, sempre em conflito entre interesses pessoais e da nação.
Pôster:
Ficha técnica
Ano: 2017
Duração: 93 min
Nacionalidade: Brasil
Gênero: drama
Elenco: Emilio Orciollo Neto, Paolla Oliveira, Bemvindo Siqueira, Norival Rizzo, Tato Gabus Mendes, Mariana Lima
Diretor: Rodrigo Bittencourt
Trailer:
Imagens: