Por Luciana Ramos
No primeiro momento, “Uma Família de Dois” apresenta-se como uma comédia que explora o processo forçado de amadurecimento de um bon vivant, Samuel (Omar Sy). Trabalhando em um resort, ele vivia esquivando-se das responsabilidades em prol da diversão. Um dia, é surpreendido por Kristin (Clémence Poésy), que lhe entrega um bebê nos braços – dizendo ser sua filha – e some. Ele faz de tudo para livrar-se da criança, mas não consegue localizar a mãe. Por necessidade, decide arranjar um emprego estável para criá-la da melhor forma possível.
Oito anos depois, a relação entre pai e filha parece ser a mais simbiótica possível – algo explorado em cenas coordenadas, como as que retratam a rotina matinal ou as passagens de dança. Samuel faz de tudo para ver Gloria (Gloria Colston) feliz, o que inclui escrever e-mails falsos em nome da mãe da menina, que nunca deu notícias. Ao mesmo tempo, permanece de certa forma tão infantil quanto ela. Com o repentino reaparecimento de Kristin, a dinâmica entre os dois será posta à prova e ele terá que lutar para ter Gloria ao seu lado.
O retorno da mãe marca a primeira reviravolta do roteiro e, consequentemente, uma mudança profunda de tom. O que era uma alegre comédia sobre a peculiar relação fraternal caminha lentamente para uma configuração mais dramática, envolvendo batalhas judiciais pela guarda da criança. Devido à fluidez da transição, a trama permanece envolvente, ainda que decaia um pouco em qualidade. Esta é consequência da falta de empatia de Kristin, muito menos desenvolvida do que o protagonista. Diante do abandono inicial, sua motivação parece artificial, o que desequilibra a equação do conflito.
Caso seguisse nessa linha até o término, “Uma Família de Dois” seria plenamente satisfatório, mesmo com pequenos problemas. Porém, a equipe de roteiristas (seis, ao total) não parecia confiar no potencial do seu material e resolveu incutir todos os possíveis clichês nele. No terceiro ato, somos surpreendidos não com uma, mas com duas reviravoltas, que mais uma vez mudam o tom da produção.
A trama abandona de vez o humor para se comprometer com o sentimentalismo barato, do tipo que deseja arrancar à força lágrimas de seus espectadores. Em contraponto, cada nova revelação empurra a obra de Hugo Gélin a um patamar mais perto da mediocridade. A dispersão narrativa é tanta que pode-se facilmente identificar quatro filmes dentro de um, todos interessantes isoladamente, mas confusos quando postos em conjunto.
Mesmo com a incapacidade do roteiro em lidar com seu(s) tema(s), o público pode surpreender-se pelo elo emocional ainda assim estabelecido. Este deriva-se essencialmente do talento do elenco. Gloria Colston oferece leveza e simpatia à sua personagem e Antoine Bertrand brilha como alívio cômico. O maior destaque, naturalmente, fica com Omar Sy, em mais uma excelente atuação. Ele entrega uma ampla gama de emoções com igual eficiência. Ao final, é difícil não se comover com seu comprometimento.
O brilho dos atores fornece humanidade ao longa e, assim, um grau de satisfação. No entanto, ao final, a sensação predominante é que esses talentos foram soterrados por um mar de clichês.
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Ficha técnica
Ano: 2017
Duração: 118 min
Nacionalidade: França
Gênero: comédia, drama
Elenco: Omar Sy, Gloria Colston, Antoine Bertrand, Clémence Poésy
Diretor: Hugo Gélin
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