Por Luciana Ramos
Como todo jovem, Miguel (voz de Anthony González) renega a ideia de trilhar o mesmo caminho dos seus familiares e passar a vida confeccionando calçados. Apaixonado pela música, sonha em se tornar tão bom quanto Ernesto De La Cruz (Benjamin Bratt), algo rechaçado por sua Abuelita (Reene Victor), matriarca da família. O seu trauma vem das conversas sobre como seu avô (tataravô de Miguel) abandonou esposa e filha para seguir o sonho de compor canções. Para reerguer-se, a família deslocou o trauma do homem para seu objeto de adoração e, dessa forma, a música foi terminantemente proibida.
Dotado de uma rebeldia típica da idade, o garoto decide inscrever-se em um concurso e, para isso, rouba o instrumento de seu ídolo no Dia dos Mortos. O toque nos acordes do violão o transporta para o plano espiritual, onde pessoas que já faleceram preparam-se para realizar a “travessia” e, assim, visitar seus descendentes que permanecem no plano carnal. Diante da possibilidade de morrer, Miguel deve encontrar seus antepassados, confrontá-los e, assim, receber a benção para viver da arte. Essa jornada, obviamente, não se mostrará fácil, mas ele contará com a ajuda do desengonçado Hector (Gael García Bernal) para cumprir a sua missão.
Ao mergulhar nas tradições mexicanas, os diretores Lee Unkrich e Adrian Molina honraram seus principais elementos – expressões, cores e, em especial, o modo como lidam com a morte – sem caírem em uma representação caricatural e rasa. Eles souberam tratar o simbolismo da crença religiosa que une os planos carnal e espiritual com sensibilidade e o refinamento visual já esperado do estúdio. O funcionamento burocrático da travessia é um exemplo de esmero técnico na construção detalhada de enquadramentos, também apreciada pela inserção do humor na forma de referências óbvias a repartições públicas, algo facilmente apreciado pelos adultos.
Os tons fortes são muito mais evidentes no plano dos mortos, tornando seus personagens esqueléticos palatáveis ao gosto infantil. Sem exceder-se, são feitas pequenas homenagens à cultura mexicana (como as divertidas passagens envolvendo a persona de Frida Kahlo), em especial ao apreço do país pela música, que aparece para pontuar a jornada emocional do protagonista.
A belíssima “Lembre de Mim” resume a mensagem da trama, ao mostrar que a presença física é menos importante que a memória que as pessoas carregam de seus entes queridos. Dessa forma, aqueles que já se foram, enquanto lembrados, permanecerão vivos. A bonita mensagem é apresentada na forma de reviravoltas, que pontuam o roteiro a partir do seu segundo ato e, assim, alongam o arco dramático. A previsibilidade desse método narrativo é suavizada pelo seu impacto emocional, capaz de arrancar lágrimas dos corações mais duros.
“Viva: A Vida é uma Festa” de fato trabalha com elementos narrativos facilmente reconhecíveis, mas proporciona profundidade a seus personagens ao separar tempo de tela para abordar a história de vida de cada um, suas motivações e arrependimentos. Assim, mostra-se um filme extremamente rico, facilmente adorado por crianças e pelos adultos, que terão outras camadas simbólicas de apreciação.
Pôster
Ficha Técnica
Ano: 2017
Duração: 105 min
Gênero: animação, fantasia
Diretores: Lee Unkrich e Adrian Molina
Elenco: Gael García Bernal, Benjamin Bratt, Anthony González, Alanna Ubach
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