Por Luciana Ramos
Ridley Scott manteve o seu projeto em segredo. Ninguém sabia do que se tratava até a revelação do primeiro trailer, que recontava os desdobramentos do sequestro de John Paul Getty III em 1973 com elenco estrelar. Nos últimos segundos, apresentava a figura do seu avô, o homem que, naquela época, era considerado o mais rico do mundo.
A lenta revelação de Kevin Spacey deixava claro que ele era o trunfo guardado do filme, a presença que poderia impulsionar a obra (marcada para estrear em dezembro) na temporada de premiações. Eis que as sucessivas acusações de assédio sexual e estupro o jogaram no limbo hollywoodiano e fez Scott tomar uma decisão inédita da indústria: com o longa já praticamente pronto, ele contratou Christopher Plummer no mesmo papel e chamou toda a equipe para refilmar o necessário.
Foram dez dias, vinte e duas cenas e uma correria nunca antes presenciada pelo entretenimento para deixá-lo pronto para lançamento. A pressa tinha duas razões principais: a qualificação da obra para as votações dos principais prêmios e o desejo de lançá-la antes da minissérie de Danny Boyle sobre o mesmo tema (“Trust” irá ao ar na FX americana a partir de 25 de março). O esforço valeu a pena e “Todo o Dinheiro do Mundo” chocou a todos por cumprir sua promessa de chegar aos cinemas na data prometida. O resultado, no entanto, é bem aquém da saga dos bastidores, já que a trama navega nas águas calmas de escolhas narrativas ensossas.
Cronologicamente, o roteiro apresenta os precedentes do conflito principal – o vício do pai de Paul Getty, que o torna ausente; a abdicação da mãe dos seus direitos financeiros após o divórcio – para adentrar-se na batalha familiar travada entre Abigail (Michelle Williams) e seu ex-sogro, Jean Paul Getty (Christopher Plummer), pelo dinheiro do resgate do jovem, levado misteriosamente por uma van nas ruas romanas. Os bandidos requeriam dezessete milhões pela troca, mas o bilionário declarou publicamente que não pagaria um centavo pela vida do neto, visto que poderia abrir um precedente para outros casos do tipo.
Trava-se, assim, o dilema familiar que pontua o filme: de um lado, uma mãe que aparentemente era abastada, mas não tinha posse alguma, e seu desejo em reaver o filho a qualquer custo; de outro, um homem riquíssimo, que se mantinha na sua posição quantificando todos ao redor, sem exceções, e delega o trabalho de se importar com a segurança do “neto favorito” a um funcionário seu, ex-espião (Mark Wahlberg). Diante das extensas negociações (ou pechinchas, melhor dizendo) e reviravoltas, a trama explora as correlações entre poder e família, traçando paralelos diretos entre o comportamento sovina de Getty com a humanidade carente de recursos de Abigail. Um não funciona sem o outro e, no meio tempo, o garoto é quem sofre em cativeiro.
A história real mostra-se, de fato, bem interessante, mas os contornos simplistas do roteiro são capazes de liquidar qualquer sinal de entusiasmo. Optando por recursos narrativos fáceis, como a adição de narração em off quando deseja, o longa não se preocupa em explicar mais detalhadamente pequenos fatos que trariam novas camadas à trama, como o histórico do viciado pai de John (pincelado em duas cenas) e o modo como ele gostava de “brincar” sobre ser sequestrado, explorado como possibilidade sem ter sido devidamente apresentado.
Focando na tarefa de recontar os fatos reais, o longa de Scott aborda seus temas na superfície, optando pela caracterização estereotipada das personagens (a mãe dedicada, o bilionário sovina). O pior caso é o do jovem Getty, que não passa de um artifício narrativo para introduzir o conflito. Por outro lado, percebe-se um trabalho artístico de tratar a fotografia subjetivamente, deixando os ambientes internos (em especial, os da casa do velho Getty) escuros, contrapostos à luz natural que inunda as ruas, algo que reflete visualmente o tema abordado. Um outro destaque, como não poderia deixar de ser, é a atuação de Plummer, que consegue montar uma personagem em caráter emergencial e dar-lhe substância suficiente para que pareça completo.
“Todo o Dinheiro do Mundo” possui uma história de bastidores riquíssima, que ressalta os atributos de Ridley Scott enquanto diretor e produtor por tomar a decisão correta e propor-se a ter o trabalho absurdo de refilmar boa parte do seu filme afim de salvá-lo. A inconsistência do roteiro, porém, denuncia a fragilidade da obra como um todo, que nunca se aprofunda bastante no tema para tornar-se, de fato, relevante.
Pôster
Ficha Técnica
Ano: 2018
Duração: 132 min
Gênero: biografia, drama
Diretor: Ridley Scott
Elenco: Michelle Williams, Mark Wahlberg, Christopher Plummer
Trailer:
Imagens: