Por Luciana Ramos

 

Em 2009, com o lançamento de “Nights and Weekends”, ao qual dividiu a direção com Joe Swanberg, Greta Gerwig anunciou seu nome no cenário independente, sendo aclamada no SXSW como uma potencial voz para a geração millenium. Em seu trabalho como atriz, confirmou a personalidade forte, capaz de transcender os papéis a ela designados, de forma a sempre imprimir sua peculiar visão do mundo em tudo que faz. Seu caminho solidificou-se com o aclamado “Frances Ha”, escrito em conjunto com seu parceiro na vida real, Noah Baumbach, que assumiu a direção.

 

Após outra obra com ele (“Mistress America”, menos bem-sucedido), Gerwig decidiu alçar voo solo, mergulhou nas suas memórias e criou “Lady Bird: A Hora de Voar”, um filme sobre amadurecimento e descoberta. Usando ferramentas de discussão típicas da adolescência, como o primeiro amor, a necessidade de ser popular e os conflitos geracionais, o seu longa de estreia consegue maior aprofundamento que outras obras do subgênero por ser capaz de apresentar um novo ângulo sobre o tema.

 

 

O processo de formação de identidade da protagonista é, neste filme, pontuado pelo próprio título, que se refere ao codinome adotado por Christine (Saoirse Ronan) como forma de se desvencilhar das suas origens e, assim, recriar-se em cores mais favoráveis. Enquanto Lady Bird, ela tem coragem de experimentar novos desafios (como o teatro), amizades e amores enquanto pondera sobre suas possibilidades de futuro e sonha em fugir de vez do marasmo californiano.

 

Previsivelmente, encontra na figura da mãe (Laurie Metcalf) uma forte resistência, já que esta não admite ter todo o seu esforço de criação sendo negado pela adolescente, que reiteradas vezes expressa vocalmente seu desconforto em pertencer a aquele mundo. De forma sagaz, porém, Greta aborda o conflito geracional sob luz mais sutil e volátil: embora briguem o tempo todo, mãe e filha também possuem momentos de cumplicidade pautados pelo diálogo, algo muito bem traduzido em cenas como a que procuram um vestido para a festa de formatura.

 

Abordando a trama pelo olhar das duas mulheres, discute-se os pesos equivalentes do vínculo familiar e da necessidade de trilhar um caminho próprio, autêntico, longe de influências alheias. Adicionalmente, tecem-se comentários sobre a descoberta da sexualidade e suas decorrentes frustrações, sempre com um olhar que consegue ir além dos estereótipos pela inserção da ironia fina como característica predominante da personagem.

 

Grande parte do sucesso da obra deve-se a interação entre essas duas personagens, interpretadas de maneira brilhante por Saoirse Ronan e Laurie Metcalf. Enquanto a primeira mostra-se capaz de extrair o melhor do texto, conferindo autenticidade aos pensamentos de Lady Bird, Metcalf trabalha de forma tênue a incapacidade de Marion em manter-se calma diante da iminência da perda do seu status de guia da vida da filha. Juntas, as oscilações emocionais traduzidas em ambas as atuações carregam o filme a outro patamar.

 

 

Embora carregue a marca pessoal da autora em toda a trama, é impossível não reconhecer a influência de Noah Baumbach em “Lady Bird: A Hora de Voar”, seja no modo como as conversas familiares rapidamente escalam para discussões, seja pelos cortes abruptos que conectam cenas que aparentemente tinham mais a oferecer. Longe de inferiorizar os esforços de Greta na direção, essas similaridades apenas afirmam a simbiose do casal, tanto na visão que compartilham do mundo quanto nas predileções estéticas e referências cinematográficas.

 

Ainda que não atinja as altas notas do maravilhoso “Frances Ha”, que conseguiu captar os anseios de toda uma geração, “Lady Bird: A Hora de Voar” mostra-se consistente na sua abordagem do processo de amadurecimento, trabalhando os claros tons autobiográficos de modo inteligente e muito bem-humorada. Com mais um sucesso, Greta reafirma o seu dom em observar a condição humana e transmutar esse conhecimento em obras fílmicas facilmente relacionáveis.

 

Pôster

 

 

Ficha Técnica

Ano: 2018

Duração: 94 min

Gênero: drama, comédia

Diretora: Greta Gerwig

Elenco: Saoirse Ronan, Laurie Metcalf, Lucas Hedges, Timothée Chalamet

 

Trailer:

 

 

 

Imagens:

 

Avaliação do Filme

Veja Também:

Rivais

Por Luciana Ramos Aos 31 anos, Art Donaldson (Mike Faist) está no topo: além de ter vencido campeonatos importantes, estampa...

LEIA MAIS

Guerra Civil

Por Luciana Ramos   No fascinante e incômodo “Guerra Civil”, Alex Garland compõe uma distopia bastante palpável, delineada nos extremos...

LEIA MAIS

A Paixão Segundo G.H.

Por Luciana Ramos   Publicado em 1964, “A Paixão Segundo G.H.” foi há muito considerado um livro inadaptável, dado o...

LEIA MAIS