Por Lanna Marcondes
Com sua estreia oficial no Festival de Toronto de 2017, uma semana antes das acusações contra Harvey Weinstein chegarem à mídia, “Vingança” é um thriller feminista dirigido por uma mulher estreante, Coralie Fargeat, que não poupa no discurso de empoderamento ao mesmo tempo que se fundamenta no gore exploitation e no sub-gênero de rape-revenge.
Vemos o eco dessa primavera feminista na narrativa de “Vingança”. Um empresário leva sua amante Jen (Matilda Lutz) para uma viagem no deserto antes de uma temporada de caças com dois amigos e sócios. Após ser estuprada, recusa vender seu silêncio e é abandonada para morrer. Ela, no entanto, encontra na adrenalina suas últimas forças, lutando pela própria sobrevivência, enquanto é caçada pelos homens que a tentaram matar. É aí que sua vingança começa.
A amante começa como um estereótipo da Lolita, objeto sexual usado somente para satisfazer desejos masculinos. Sua representação é traduzida tanto em sua caracterização e figurino quanto na fotografia do filme, que de início usa as mesmas fórmulas de produtos fílmicos feitos a partir de um olhar masculino, com enquadramentos evidenciando o corpo das mulheres.
Há o uso marcado de metáforas visuais, como uma maçã apodrecendo para representar a aproximação do estupro; de formigas sendo afogadas por gotas de sangue da protagonista, que caem com estrondo de trovões para intensificar ainda mais suas motivações por sobrevivência. Distorções sonoras como essas se fazem presentes em todo o filme, representando estados mentais de medo, tensão e desespero.
O ponto mais forte da obra de Fargeat é a gradual e natural evolução da protagonista, que é forçada a sair de sua posição de Lolita, submissa aos acontecimentos ao seu redor, até tomar controle da própria narrativa e, assim, tentar salvar a própria vida. Os desafios se apresentam, cada vez piores, mas ela aprende e cresce rapidamente. Aqui não há saída: ou ela mata seus agressores ou morre. No final, a mulher que ela se torna é o mais distante possível da que chegou ali.
Existem as discussões de diversas formas de cumplicidade ao estupro: aquele que comete o crime, nesse filme motivado por uma masculinidade frágil e por um próprio desejo de vingança; aquele que vê e decide ignorar, sabendo o quanto é errado; e aquele que tenta silenciar, fingir que nada aconteceu e que a vítima não tem razão.
A diretora é cruel em suas cenas de violência e morte, que entrega com maestria, e não se censura ao esconder os cortes e todo o sangue derramado. Desde o início, tudo é muito vivo, visualmente grotesco e sonoramente aflitivo. Consegue provocar a audiência e atingir seu objetivo de exploitation. No entanto, acaba abusando das leis da física e da biologia humana em algumas nas cenas de violência, situações que beiram hilário pela sua impossibilidade.
Outro ponto notável é a atuação de Matilda Lutz, que interpreta de forma crível todas as passagens de sua personagem, mesmo as mais insanas. Já Kevin Janssens, que dá vida ao seu amante Richard, deixa a desejar com pouca transição entre suas motivações, porém consegue sustentar um terceiro ato como o último e maior desafio dessa jornada.
“Vingança” sabe sobre o que fala, sabe que contexto social representa e tem sua própria personalidade em seu sub-gênero. É um retrato esperado por conta do que vivemos hoje na indústria cinematográfica, porém feito pela visão de uma mulher em um tema que deve ser – e tem sido – falado por elas.
Pôster:
Ficha Técnica:
Ano: 2017
País: França
Duração: 108 min
Gênero: ação, thriller
Diretor: Coralie Fargeat
Elenco: Matilda Anna Ingrid Lutz, Kevin Janssens, Vincent Colombe
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