Por Luciana Ramos
Diariamente, milhares de pessoas fogem da Guerra na Síria e dos conflitos étnicos africanos na busca de uma vida melhor. Deixando para trás todos os bens materiais e uma parte da própria identidade, submetem-se a quilômetros de caminhada e adversidades de todos os tipos, acometidos pelo desespero e pela esperança de acolhimento em cidades que possam oferecer um pouco da dignidade perdida.
Em “Dheepan- O refúgio”, o diretor francês Jacques Audiard disseca o drama desses imigrantes através da estória de três refugiados do Sri Lanka: Dheepan, um veterano de guerra (Jesuthasan Antonythasan), Yalini, uma jovem com parentes na Inglaterra (Kalieaswari Srinivasan) e Iilayaal, uma órfã de nove anos (Claudine Vinasithamby). Completos desconhecidos, eles forjam ser uma família para conseguir abrigo na França. Lá, são realocados para a região de Le Pré-Saint-Gervais, periferia de Paris, onde ganham a perspectiva de terem uma vida normal. No entanto, nem tudo é tão simples.
A primeira parte do filme é pontuada pelo sentimento de estranheza, uma dor derivada da soma de vários fatores: a pouca familiaridade com a língua, a sufocante sensação de não pertencimento, o medo da revogação dessa nova realidade e consequente reenvio ao ambiente de guerra do país natal, o pleno desconhecimento das regras de convívio social ocidentais.
Os três personagens principais não conseguem adequar-se plenamente aos ditames da “vida normal”. Para agravar a situação, a falta de laços entre eles o fazem ignorar as necessidades individuais de cada um em prol do projeto maior, a integração à nova sociedade.
Em determinada cena, Yalini, “esposa” de Dheepan, critica as piadas francesas por não terem humor, sintoma de um abismo cultural que jamais será completamente ultrapassado. É através de tais construções que “Dheepan- O refúgio” imprime reflexão, crítica e urgência ao mesmo tempo. Porém, a partir do segundo ato, o filme desprende-se parcialmente de todas essas questões para focar na violência da comunidade de Le Pré-Saint-Gervais.
O complexo habitacional é dominado por uma facção criminosa, cujas ações põem em risco a segurança de Dheepan, Yalini e Iilayaal. Cada um deles reage de forma diferente à violência, retratada como impulso destruidor e libertador ao mesmo tempo. Ela os faz entrar em contato com os demônios passados, com as lembranças das experiências no Sri Lanka e o enfrentamento direto se faz necessário para a sobrevivência.
O desenrolar desse conflito, externo e urgente, traz densidade à trama, prendendo a atenção do espectador, mas acarreta em um empobrecimento do debate da questão principal e mais relevante, o drama dos refugiados.
Esteticamente, o destaque fica por conta da fotografia de Épopine Momenceau. Ela interpõe passagens iniciais feitas com câmera na mão, cenas de requinte visual que remetem aos sonhos dos personagens e contraposição de planos de detalhes e mais abertos em cortes secos, garantindo fluidez e beleza ao longa.
Ganhador da Palma de Ouro de Cannes de 2015, “Dheepan- O refúgio” toca na ferida da temática da imigração, assunto em voga na atualidade. Ainda que se disperse em prol de uma trama mais comercial a partir do segundo ato, consegue construir um panorama multifacetado e rico da vida de pessoas que deixam tudo para trás na esperança de ter um futuro.
Ano: 2015
Duração: 109 min
Nacionalidade: Sri-Lanka, França
Gênero: drama, crime
Elenco: Jesuthasan Antonythasan, Kalieaswari Srinivasan, Claudine Vinasithamby
Diretor: Jacques Audiard
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