Por Luciana Ramos
Jenny (Adèle Haenel ) é uma jovem médica em ascensão. Competente e querida pelos pacientes, recusa-se a atender um chamado na clínica onde trabalha após o expediente como forma de disciplinar seu estagiário. No dia seguinte, descobre que a misteriosa mulher que bateu à sua porta está morta e a clínica foi o último local onde foi vista.
O incidente provoca questionamentos internos que a levam a acreditar que poderia ter evitado essa tragédia. Decide, então, descobrir a identidade da garota desconhecida, conduzindo uma investigação por conta própria. O bom senso logo dá lugar à obsessão e, em contrapartida aos constantes assédios aos pacientes e outros moradores do bairro, Jenny vê a própria vida ameaçada.
O mais novo filme dos cultuados irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne utiliza um sentimento comum a todos – a culpa – como força-motriz para abordar o valor da vida humana e a identidade como forma de dignidade. Para isso, oferecem uma trama atraente no primeiro momento, envolta em mistério e conduzida de forma seca e realista. O ponto de vista é exclusivamente da protagonista, fato enaltecido pela opção pela movimentação da câmera ao seu redor. A estética fria e pungente revela total domínio da arte cinematográfica, fruto de uma extensa carreira.
O roteiro oferece bases sólidas para o seu desenvolvimento, mas perde-se com a falta de moderação na sua abordagem. As motivações da protagonista, por exemplo, são totalmente compreensíveis; já suas atitudes, parecem dissonantes. A sua ânsia em descobrir a verdade transforma-se rapidamente em abuso, o que serve para fragilizar seu elo emocional com o espectador.
Assim, estabelece-se um jogo de apelo/rejeição por suas atitudes, que se encerra de maneira negativa ao final da trama, quando a coerência é abandonada. A resolução dos eventos não possui o mesmo impacto da expectativa construída até o momento, já que recorre ao didatismo dos diálogos explanatórios. Sucede-se, por sua vez, de maior contextualização sobre o passado da garota desconhecida, recurso que visa enriquecer o longa, mas depõe em contrário pela desnecessária adição de mais drama.
“A Garota Desconhecida” cai na armadilha de não confiar no seu pretexto narrativo. Como resultado, estabelece-se um tom acima do desejado e perde a empatia pela jornada da protagonista logo cedo. Ao final, rende-se de vez ao melodrama, como se esse fosse capaz de trazer o espectador de volta à imersão. Por conta desses deslizes, o longa nem de longe reflete o potencial dos seus diretores.
*Essa crítica faz parte da cobertura da 40ª Mostra Internacional de Cinema São Paulo
Ficha técnica
Ano: 2016
Duração: 113 min
Nacionalidade: França
Gênero: drama
Elenco: Adèle Haenel, Olivier Bonnaud, Jérémie Renier
Diretor: Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne
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