Por Luciana Ramos
Com um pouco mais de quarenta anos, Suze Trappet (Virginie Efira) descobre que vai morrer por causa de sua profissão. Ao longo da vida, inalou spray de cabelo demais e desenvolveu uma reação autoimune em larga escala. Desesperada com o fim, ela decide voltar ao passado para fazer um último remendo: conhecer o filho que teve aos quinze anos e foi forçada a entregar para doação.
Para tal, ela busca os arquivos do Departamento de Saúde, mas ninguém parece saber ou querer ajudá-la: seu nome é um dos milhares que não foi digitalizado e, sem rastros, o objetivo de Suze parecia impossível. Eis que uma explosão atinge o local e fere profundamente o funcionário que a atendia. Movida pela curiosidade, ela caminha em meio ao caos e chega em uma sala, onde Jean-Baptiste Cuchas (Albert Dupontel) está desmaiado. Um vídeo em sua frente, onde posa com uma arma e diz “adeus, idiotas” toca em looping. Após ser demitido em prol de alguém menos capacitado e mais jovem, o homem havia decidido se matar no ambiente de trabalho, mas um pequeno erro de cálculo fez com que a arma fosse direcionada para os colegas.
Enquanto toda a equipe do Ministério da Saúde o trata como terrorista, colocando a polícia em seu encalço, Cuchas permanece desacordado em uma praça. Seu choque ao descobrir que está vivo, é perseguido e foi sequestrado por uma mulher desconhecida é imenso. Suze, então, revela suas motivações: se ele a ajudar a encontrar seu filho, ela, que testemunhou toda a confusão, deporá a favor do Sr. Cuchas.
A primeira parada é o depósito de documentos da cidade, onde o arquivista Serge Blin se junta a eles. Cego, ele foi colocado em uma função que não consegue exercer (ser responsável por pilhas e pilhas de papel) e vive com medo até ouvir a voz gentil de Suze, que lhe desperta para a vida. A partir daí, os três aventureiros errantes caminham pela cidade com um ousado plano para que ela possa encontrar o filho antes que seja tarde.
Escrito, dirigido e interpretado por Albert Dupontel, o filme condensa bem drama e comédia, preenchendo a trama com pitadas de absurdo que só deixa a experiência fílmica mais empolgante. Se o surrealismo na quebra de regras e expectativas chama a atenção e provoca o riso, a sensibilidade serve de âncora emocional, elevando o patamar da produção ao tecer comentários sobre a humanidade dos seus personagens, tratados pelo sistema como coisas, números, ausências.
A crítica mais enfática de Dupontel é apontada à configuração de um sistema burocrático onde é impossível de transitar – cheio de arquivos intermináveis, escadas gigantescas, letras de médico indecifráveis, pouca tecnologia e diálogo, já que os policiais são instruídos a caçar o Sr Cuchas primeiro e, depois, ouvi-lo. Lutando contra esse organismo que não prioriza quem ele deveria servir, estão o senso de aventura de Serge, a inteligência de Jean-Baptiste e a profunda amorosidade de Suze.
Entremeadas ao já citado absurdo, as reflexões são apresentadas de forma debochada, seja no diálogo ou na direção de arte. Do começo ao fim, a narrativa transita de maneira fluida entre acontecimentos, apostando no lirismo para potencializar a ação dramática. Essa sensibilidade traduz-se em sequências belíssimas, como a dança dos elevadores panorâmicos e o próprio desfecho, que impressiona por evitar veementemente o clichê. Emocionante e divertido na mesma gradação, “Adeus, Idiotas” é um belo respiro de poesia em um mundo tão quadrado.
Ficha Técnica
Ano: 2022
Duração: 1h 27 min
Gênero: comédia, drama
Direção: Albert Dupontel
Elenco: Albert Dupontel, Virginie Efira, Nicolas Marié, Jackie Berroyer, Phillipe Uchan