Por Marina Lordelo
Shireen Seno é uma jovem diretora Japonesa que em seu segundo longa-metragem, intitulado “Ansiosa Tradução” [Nervous Translation], traduz sua infância auto-biográfica ambientada nas Filipinas do pós-guerra (1988). No longa, Yael (Jana Agoncillo) é uma garota de oito anos que mora com sua mãe Val enquanto aguarda o retorno da turnê musical de seu pai. Para manter o vínculo e diminuir a saudade, a garota passa suas horas ociosas ouvindo as cartas faladas de seu pai, que são enviadas periodicamente em fitas K-7.
Apostando em uma riqueza de planos detalhe como parte da ambientação e do ritmo das cenas, Seno é habilidosa em transitar entre mãos, gestos, objetos e partes dos corpos que compõem o espaço da casa de Yael, criando uma distinção muito bem resolvida entre o seu mundo interior e o que a circunda. E nessa premissa que a diretora assume em sua narrativa, acentua o uso de jump cuts (cortes dentro do mesmo plano) para estabelecer a sutileza das elipses temporais em que vive a mente de uma criança. Associada a uma montagem (assinada pela própria Seno em parceria com John Torres) que também brinca com os elementos do tempo, a narrativa de “Ansiosa Tradução” ganha proporção em sua estética calculada, com planos bem pensados, hora incrivelmente simétricos remetendo a lógica japonesa de Kurosawa hora delineando os detalhes partidos do francês Robert Bresson. A diretora é repleta de influências cinematográficas, ao passo que já começa a traçar sua forma própria de conduzir uma história.
A fotografia e a direção de arte são meticulosas também em definir uma iluminação sutil que ressalta os tons quentes sempre que a garota está em conexão com as cartas de seu pai, iluminada pela luz vermelha que o toca-fitas emana do display. Quando em conexão com a mãe, na hora de assistir a novela à noite pela TV, o tom frio e azulado reflete no estado da relação de ambas e na marcada mudança do dispositivo – para Yael, o rádio consegue ser menos impessoal do que a televisão.
Ainda que a atuação de Jana Agoncillo seja um ponto forte da narrativa, a diretora aposta na naturalidade dos outros atores infantis, o que cria um certo distanciamento entre os personagens, comprometendo, assim, a complexidade de Yael. Presa em uma obstinada rotina, a garota participa de poucos diálogos e só interage diretamente com sua mãe e seu tio (irmão gêmeo de seu pai), e essa decisão do roteiro afasta a protagonista de uma realidade concernente a uma garota de oito anos – e isso, infelizmente, marca a história como uma leitura adulta das impressões de uma criança introspectiva, perdendo um pouco de força na genuinidade do que viria a ser sentimento infantil. Mesmo as decisões mirabolantes da garota, como pintar os cabelos de sua mãe de branco afim de conseguir juntar o dinheiro necessário para comprar a desejada caneta tradutora, parece uma tentativa de Seno em retratar supostos episódios auto-biográficos, e, portanto, tal qual entranhados em sua memória já adulta.
*Esta crítica faz parte da cobertura do VII Olhar de Cinema de Curitiba. O filme ainda aguarda a sua distribuição comercial.
Pôster:
Ficha Técnica:
Ano: 2017
Duração: 90 min
Gênero: Drama
Diretor: Shireen Seno
Elenco: Jana Agoncillo, Angge Santos, Sid Lucero
Trailer:
https://www.youtube.com/watch?v=WvEHK4xwHTs