Por Luciana Ramos

Se tem uma coisa que 2024 mostrou aos brasileiros é que o cinema é uma matéria pulsante composta de memória. As tramas, ficcionais ou não, uma vez absorvidas ajudam a semear o imaginário popular. Casos como o fenômeno recente “Ainda Estou Aqui” ajudam a recontar nossa história sob novos prismas, através dos olhares daqueles que viveram e sofreram em nosso solo.

Porém, ao contrário do filme de Walter Salles, “As Polacas” não se debruça sob um caso específico, mas busca na ficção romantizada o instrumento para trazer à luz um grupo de mulheres que fugiu da Primeira Guerra Mundial. A alcunha de tom pejorativo caracterizava mulheres que deixaram a Polônia natal para serem vítimas de exploração sexual no Brasil: forçadas a trabalhar em condições indignas nos bordéis das grandes cidades, servindo aos desejos masculinos de ditos cavalheiros que as desumanizavam.

Esse é o ponto de partida da trama do filme de João Jardim, que adota o melodrama escancarado como ferramenta de catarse. Ao centro está Rebeca (Valentina Herszage), que viaja de navio com o filho Joseph para reencontrar o marido Saul, já imigrado. Porém, ela não contava com o falecimento do amado no ínterim do trajeto. Sem recursos, a jovem decide aceitar a proposta de trabalho do compatriota Tziv (Caco Ciocler), que se autodenomina um grande empresário.

Ao chegar no local de trabalho, surpreende-se por este ser um bordel e, ameaçada de deportação, é obrigada a se submeter à prostituição. Suas colegas parecem resignadas à primeira vista, mas confabulam em segredo por melhores condições de vida – ao menos um enterro digno, seguindo o ritual judaico de purificação de suas almas.

O roteiro segue nessa vertente, explorando o potencial dramático de Herszage com inúmeros closes. Embora note-se a construção ascendente de um conflito, este permanece um pouco engessado pelo excesso de repetições e um ar folhetinesco que concede ao filme um indesejado tom de novela da Globo: o espectador é convidado a presenciar diversas humilhações e sofrimentos da personagem principal e sua amiga Deborah (Dora Friend), já que ambras ousam contestar os abusos de Tzvi. Assim, o espectador é incitado a nutrir um desejo de vingança que soterre os pecados cometidos pelo caminho.

As caracterizações são extremamente competentes, embora o tom sépia – um clichê comum a obras de época – perdure a produção. Curiosamente, a trama como um todo se eleva quando chegam os créditos, repletos de contextos históricos, fotos e fatos dessas imigrantes marginalizadas que lutaram por suas vidas e a manutenção da tradição judaica. Esse aspecto incomum da experiência ajuda a reviver a memória de um grupo esquecido pela História (com H maiúsculo), que tende a contar as sagas “vencedoras” daqueles que prosperam.

É um resgate importantíssimo, que reafirma o lugar do cinema – e da arte como um todo – na construção de um entendimento social, de resgate, reflexão e ressignificação. Por isso, mesmo com uma trama aquém do potencial do seu elenco, “As Polacas” merece ser visto.  

Ficha Técnica

Ano: 2023

Duração: 2h 5min

Gênero: drama

Direção: João Jardim

Elenco: Valentina Herszage, Caco Ciocler, Erom Cordeiro, Dora Friend, Otávio Muller, Amaurih Oliveira

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