Por Luciana Ramos

 

Qual é a melhor forma de analisar um objeto de estudo, particularmente quando se trata da vida de um artista? Por onde começar? Cronologicamente seria a resposta mais óbvia, mas abre espaço para grandes omissões. Outra forma comum de se retratar um artista é a partir de suas obras; nesse caso, a possível omissão estaria em não estabelecer um valioso link entre estas e a personalidade de seu criador.

Tendo isto em mente, a cineasta Jane Magnusson resolveu analisar o sueco Ingmar Bergman a partir de seu ano mais prolífico – e de maior impacto em sua carreira. Em 1957, o diretor produziu nada menos que seis obras, entre quatro peças de teatro, um filme para a televisão (que havia chegado no seu país apenas um ano antes) e dois de seus melhores longas, “O Sétimo Selo” e “Morangos Silvestres”.

Depois de despontar com filmes como “Mônica e o Desejo” e, assim, obter reconhecimento internacional, Bergman debruça-se sobre sua vontade criativa e se vê pela primeira vez em sua obra, ou melhor, decide abordá-la de um ponto de vista subjetivo. Neste caso, os personagens ficcionais são moldados a partir de suas angústias e traumas, explorados extensamente deste momento até o final de sua carreira.

 

 

Com “O Sétimo Selo” ele investiga seu temor pela morte, algo que o perseguia desde a infância. Na sua obra seguinte, “Morangos Silvestres”, distancia-se de si mesmo para avaliar o que sua compulsão criativa o levava a negligenciar – em especial, seus vínculos com os inúmeros filhos. Usando o cinema como palco de análise, criou obras profundas e provocadoras, identificáveis a todos os seres humanos (e, por isso, de grande apelo), potencializadas pela sua vocação em conceber imagens fortes. Com isso, tornou-se um dos mais respeitados cineastas do mundo.

O documentário de Magnusson naturalmente debruça-se sobre estas questões e as analisa detalhadamente, aliando os recursos do gênero: entrevistas (de inúmeros colaboradores e do próprio Bergman que, já velho, refletia sobre sua vida), imagens documentais e cenas-chave de seus mais preciosos filmes. Por meio de relatos sobre cenas, detalhes ou processos criativos, aprende-se mais sobre o criador.

Aliada a essa objetividade encontra-se a subjetividade do personagem, afinal de contas, em toda obra cinematográfica autoral há a representação do que o seu diretor crê ser relevante o suficiente para ser transformado em imagem e som. Em outras palavras, em meio a ficção proveniente, encontra-se sua percepção do mundo, valores e anseios. Por isso, é de suma importância, quando se trata de um documentário, incluir pontos determinantes da vida da pessoa estudada afim de entendê-la.

 

 

No caso de Bergman, essa torna-se uma experiência um tanto amarga, visto sua complexidade e inúmeras contradições. Passagens polêmicas da sua vida, como seu deslumbramento em certo momento pelo Nazismo (ignorando indícios criminais contra judeus) e seus acessos de fúria, muitas vezes direcionados para as mulheres, jogam um pouco de sombra sobre sua figura. Mas se por um lado o público é tomado por certa frustração, por outro vangloria-se de estar diante de um bom documentário, que não cai na armadilha comum de excessiva romantização, que nivela as ações de seu personagem e, dessa forma, o reduz.

Bergman, ao contrário, revela-se excessivamente complexo, neurótico e prolífico, características que vai carregar para seus filmes. Em alguns momentos, também se mostra dotado de comicidade, uma surpresa dado o tom sombrio de suas obras. Ao longo de quase duas horas, o espectador é convidado a analisar sua vida, inquietações e produções artísticas a partir de um recorte temporal que irá ajudar a compor um panorama da sua personalidade. Um bom ritmo, dosado pela eficiente montagem que costura uma infinidade de diferentes materiais, torna a experiência de assistir “Bergman 100 Anos” não só compensadora, mas rica, uma parada obrigatória para todos os cinéfilos.

 

Pôster

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ficha Técnica

 

Ano: 2018

Duração: 117 min

Gênero: documentário

Direção: Jane Magnusson

 

Trailer:

 

 

Imagens:

Avaliação do Filme

Veja Também:

As Polacas

Por Luciana Ramos Se tem uma coisa que 2024 mostrou aos brasileiros é que o cinema é uma matéria pulsante...

LEIA MAIS

Estômago II - O Poderoso Chef

Por Luciana Ramos   Alguns ingredientes foram determinantes para o sucesso de “Estômago” (2008), um filme de baixo orçamento que...

LEIA MAIS

O Dublê

Por Luciana Ramos   Colt Seavers (Ryan Gosling) é um dublê experiente, que se arrisca nas mais diversas manobras –...

LEIA MAIS