Por Marina Lordelo
A França é um país que passa por uma questão ampla no que tange ao acolhimento de imigrantes. No cinema isso foi abordado algumas vezes, e Gilles Legrand assume a comédia como estratégia para abordar o tema nas telas, em “Boas Intenções”, estrelado por Agnès Jaoui no papel da professora de francês Isabelle.
Ela não lida bem com a dinâmica de sua família de classe média por não conseguir dimensionar a sua vida pessoal e sua relação profissional com os imigrantes recém-chegados à Paris. O difícil é aceitar viver em meio a tantos privilégios enquanto muitos necessitam de ajuda básica. Assim, a professora tenta compartilhar um pouco de sua estrutura, disponibilidade e posses com os menos afortunados. Porém, tamanha dedicação não é necessariamente uma atitude altruísta de Isabelle – a mulher tem dificuldades de criar laços afetivos com os mais próximos a ela, como sua filha, e transporta diversas angústias para a turma que ensina, criando uma série de constrangimentos, falta de empatia e de dilemas morais incoerentes com os personagens.
Seguindo uma premissa que poderia ser interessante, Legrand se prende muito à história afortunada de Isabelle e utiliza os outros personagens mais como muletas e gags de comédia (e também de drama em certo ponto) do que se aproveita de suas histórias interessantes para construir uma narrativa mais complexa. O diretor e roteirista (em colaboração com Léonore Confino) abre mão de criar em cima das diferentes causas que levaram Ajdin, Jaqueline e Christian (que nem sobrenome possuem), por exemplo, a se mudarem para a França em detrimento de construir piadas cansativas sobre estereótipos diversos.
“Você se excita com a miséria do mundo” – a protagonista ouve de sua família, provando o interesse do diretor em considerar o ponto de vista do opressor em função dos indivíduos oprimidos. Hora alguma o filme assume o papel do país colonizador como fonte de destruição, aproveitamento e uso de outras nações em situações de guerra, mas de acolhimento e aceitação com certa benevolência aos ditos marginalizados. Jaoui não desempenha sua melhor performance, overacting em situações constrangedoras e exprimindo uma espécie de valor diferenciado a sua Isabelle, o que é, no mínimo, injusto com os outros personagens.
A forma também oferece tropeços no reforço dos estereótipos, assumindo uma animação esquisita no meio do segundo ato, com uma câmera conservadora repleta de planos previsíveis. O desenho de som caminha junto com as expectativas, reforçando uma trilha sonora que enfatiza o melodramático para garantir lágrimas no ato final. Pelo visto, não foi dessa vez que Gilles Legrand conseguiu usar da comédia para tratar do tema dos imigrantes na sua amada e gloriosa França.
Essa crítica faz parte da cobertura do Festival Varilux de Cinema Francês 2019
Ficha Técnica
Ano: 2019
Duração: 103 min
Gênero: comédia, drama
Diretor: Gilles Legrand
Elenco: Agnès Jaoui, Alban Ivanov, Claire Sermonne
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