Por Luciana Ramos
Com “Carol”, o diretor Todd Haynes reafirma sua predileção pela construção de dramas históricos para, a partir da rigidez das normas sociais como instrumento de coibição dos desejos mais profundos, abordar o papel da mulher no mesmo.
Em “Mildred Pierce”, minissérie produzida para a HBO e passada na década de 20, a personagem-título (Kate Winslet) lutava para firmar-se como mãe solteira, alguém capaz de prover aos seus filhos o melhor em uma sociedade extremamente machista, que a tolhia e ridicularizava. Já no belo e triste “Longe do Paraíso”, filme que rendeu algumas indicações ao Oscar do seu ano, inclusive para Julianne Moore, explorava a incapacidade da concretude do amor romântico em uma sociedade que vivia de aparências (anos 50) e que negava alternativas aos que tentavam transpor as suas barreiras.
Em seu novo longa, “Carol”, o diretor revisita a década de ouro e utiliza mais uma vez o amor como instrumento narrativo, dessa vez como símbolo de algo maior: a identidade, essência do indivíduo, refletida no desejo e anseio pelo toque do próximo.
A jovem e inocente Therése (Rooney Mara) é seduzida e tragada para o mundo de aparências de Carol (Cate Blanchett), mulher sofisticada e sensual. Fica claro desde a primeira troca de olhares que há um desejo implícito por um maior contato. Aos poucos, de forma pouco inocente apenas aos olhos mais atentos, as duas se envolvem, mas sempre com a reticência necessária, dada a presença da nuvem de moralidade que condenava um enlace romântico do tipo.
O resultado é um drama bem construído e bonito, que promove uma jornada engrandecedora a Carol e Therése. À primeira, cabe enfrentar o conflito acerca da guarda da sua filha pequena, instrumento de chantagem do ex-marido para que a tenha de volta.
Já a segunda é coroada pelo abandono da ingenuidade e afirmação do seu lugar na sociedade, saindo do papel de coadjuvante da própria vida, uma mulher que caminhava ao sabor do vento pela incapacidade de dizer não, para alguém forte e certa do que o mundo tem a lhe oferecer. Essas mudanças de percepção são decorrentes da ampliação do seu olhar, registrada no longa pela sua paixão pela fotografia.
Esteticamente, Haynes pontua o clima intimista com o uso do 16mm, que confere granulações expressivas às imagens. Tal escolha casa perfeitamente com a detalhada e belíssima reconstrução de época, em especial a riqueza dos cenários e figurinos. A atmosfera é devidamente balanceada através da fotografia, cujo jogo entre luz e sombra configura-se como um reflexo dos sentimentos das personagens.
Obviamente, um filme desse cunho requisita muito das atuações para fazer a trama funcionar, trabalho delegado e entregue com extrema competência por Cate Blanchett e Rooney Mara. A Blanchett coube o papel de Mrs. Robinson da vez, o qual desempenha com olhares gatunos e delicadeza de gestos. A profundidade da sua Carol, no entanto, vai além do aparente papel de predadora, já que em determinadas cenas demonstra imensa fragilidade. São nesses momentos que a atriz consegue imprimir de maneira irretocável as dicotomias inerentes à mulher que representa, resultando em uma performance excelente.
Mara proporciona uma atuação igualmente brilhante, ainda que mais sutil, em acordo com a personalidade de Therése. A atriz usa o seu rosto como meio principal de interpretação, pontuando com maestria a gama conflitantes de emoções que experimenta de uma só vez.
Por meio do desejo latente de duas mulheres que se envolvem romanticamente, “Carol” questiona os fundamentos do american way para tratar da luta pela experiência de uma vida plena, obtida através da afirmação da identidade pessoal. Simples em sua narrativa intimista, trata-se de um avanço artístico para o diretor Todd Haynes. Um belo filme que merece ser assistido.
Ano: 2015
Duração: 118 min
Nacionalidade: Inglaterra, EUA
Gênero: drama, romance
Elenco: Cate Blanchett, Rooney Mara, Sarah Paulson
Diretor: Todd Haynes
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