Por Melissa Vassali
Em 2018 comemora-se 20 anos do lançamento de “Central do Brasil”, um dos filmes mais icônicos da cinematografia brasileira. Mesmo quem nunca teve a oportunidade de assisti-lo, provavelmente já ouviu falar sobre ele. O sucesso do filme se deve a sensibilidade do diretor Walter Salles, que tinha em mãos, além de uma história comovente (escrita por ele próprio em parceria com Marcos Bernstein e João Emanuel Carneiro), um bom elenco, que colocou em destaque uma atriz veterana, Fernanda Montenegro, e um estreante, Vinícius de Oliveira.
Fernanda interpreta Dora, uma professora aposentada que complementa sua renda escrevendo cartas para analfabetos na maior estação de trem do Rio de Janeiro. Amargurada, ela engana as pessoas e sequer se dá ao trabalho de postar as cartas. Um dia, uma de suas clientes morre atropelada e seu filho, Josué (Vinícius de Oliveira), sem ter para onde ir, permanece na estação. Dora tenta se aproveitar da situação, entregando o menino para traficantes de crianças, mas se arrepende e, para se redimir, decide ajudá-lo a encontrar seu pai, que vive no Sertão nordestino.
A obra fez um retrato da população que vivia à margem da economia, passando da periferia dos grandes centros urbanos para comunidades arcaicas do Sertão. Essa situação representada pelo filme correspondia com o período de instabilidade econômica que o país enfrentava desde o processo de redemocratização, na década de 1980. Essa crise atingiu também o setor audiovisual. Em 1990, com o agravamento da recessão, o então presidente Fernando Collor suspendeu todos os mecanismos de incentivo à cultura e fechou a Embrafilme. Com isso, nossa produção cinematográfica chegou perto de zero. Em 1992, apenas um filme brasileiro foi lançado nos cinemas: “A Grande Arte”, também dirigido por Walter Salles.
A partir de 1993, com a criação de novos fomentos, como a Lei do Audiovisual, a situação começou a melhorar, ainda que lentamente. “Carlota Joaquina, a princesa do Brasil”, de Carla Camurati, lançado em 1995, foi o primeiro filme com números expressivos em tempos, e marca o início do período chamado de Retomada do Cinema Brasileiro. Nesse mesmo ano, Walter Salles lançou mais um filme, “Terra Estrangeira”. Em 1998, estreariam dois filmes do diretor: “O Primeiro Dia” e “Central do Brasil”, ambos ainda estão dentro do contexto da Retomada, mas o último traz uma virada, com grande aceitação do público e forte projeção internacional. Ganhou, entre outros prêmios, o Urso de Ouro de Melhor Filme e o Urso de Prata de Melhor Atriz, o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro e foi ainda indicado ao Oscar de Melhor Atriz e de Melhor Filme Estrangeiro.
Walter Salles, assim como seu irmão João Moreira Salles, começou sua carreira como documentarista. A influência do documentário em “Central do Brasil” está impressa no tom realista do filme, no interesse por histórias que poderiam pertencer a grande parte dos brasileiros, que migram pelo país em busca de melhores condições de vida e precisam deixar suas famílias para trás. No começo do filme, alguns depoimentos narrados para Dora transcrever são verdadeiros, feitos por não-atores. O próprio Vinícius de Oliveira nunca tinha atuado antes. Aliás, ele nunca tinha visto um filme no cinema; trabalhava como engraxate no aeroporto quando pediu para Salles lhe comprar um lanche. O diretor o convidou para fazer um teste para a produção, mas o menino não apareceu. Ele então enviou uma equipe até o aeroporto para encontrá-lo.
Mas apesar de seu interesse pela realidade, ou talvez justamente por isso, ele é também um filme terno, que se orienta pela procura do afeto, nos colocando diante de pessoas que querem encurtar distâncias através de uma carta, de um menino que tenta recuperar sua família e de uma senhora solitária e sem ética que aos poucos se sensibiliza com a vida novamente. Visualmente, a primeira parte do filme é toda monocromática e os planos são sempre fechados. Conforme a história avança e os protagonistas ganham uma nova perspectiva, as cores aparecem e os planos passam a ser abertos. Apesar de melancólico, o enredo caminha para uma resolução otimista, oferecendo uma segunda chance para seus personagens.
O tão esperado Oscar não veio. Passada a euforia dos primeiros anos da Retomada, o cinema brasileiro enfrentaria outros períodos de instabilidade. Começou a pesar sobre este e outros filmes da época uma comparação com o Cinema Novo. E, mesmo assim, 20 anos depois, ainda nos recordamos dele. Isso porque o seu grande legado foi reconciliar um povo com o seu cinema, trazer novas perspectivas para a produção nacional e nos lembrar que em tempos de adversidade precisamos resistir, sempre. “Central do Brasil” criou uma memória cinematográfica que não vamos esquecer tão cedo.
Pôster
Ficha Técnica
Ano: 1998
Duração: 110 min
Gênero: Drama
Direção: Walter Salles
Elenco: Fernanda Montenegro, Vinícius de Oliveira, Marília Pera, Othon Bastos, Matheus Nachtergaele
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