Por Luciana Ramos

 

Em uma sociedade que baliza suas experiências (tanto coletivas quanto individuais) através da tecnologia, como é possível determinar o seu limite? Até que ponto a sua adoção fere o direito à privacidade? Como impedir que seu uso transgrida a ética e caminhe para o controle em massa? Qual é o valor do indivíduo em uma configuração social onde é cobrado instantaneamente por suas ações? O que acontece com seus desejos, sua liberdade?

 

“O Círculo”, adaptação do livro homônimo de Dave Eggers (que também assina o roteiro), propõe-se a discutir essas questões. Ao fazê-lo, no entanto, decepciona imensamente por abordá-las de forma superficial e covarde, através de um filtro romantizado, que torna as situações menos graves do que de fato se apresentam. A mediocridade narrativa apresenta-se logo ao começo pela adoção do formalismo clichê do roteiro, que escolhe mostrar primeiro um panorama extremamente positivo e encantador do ambiente para depois tentar desconstruí-lo.

o circulo 1

Mae (Emma Watson) é uma jovem inteligente e capaz que sente seu potencial desperdiçado até receber uma proposta de emprego em “O Círculo”. A organização tem como objetivo facilitar a rotina das pessoas, através do desenvolvimento dos mais variados aplicativos. O intuito, segundo o CEO Bailey (Tom Hanks), é tornar a experiência humana mais completa e agradável, reduzindo o tempo perdido na burocracia decorrente da dispersão de dados dos usuários em diferentes plataformas. Assim, o objetivo final da empresa seria ser o único instrumento necessário para viver: comer, usufruir do tempo livre, trabalhar e até votar, como é debatido em determinado momento.

 

O ambiente, uma redoma isolada do exterior, segue o padrão das famosas empresas do Vale do Silício, como o Google, elevando-o ao nível máximo de atratividade – com direito a um pocket show de Beck. Moderno, ostensivo, completo, O Círculo aparenta ser o emprego dos sonhos. O seu magnetismo é devidamente acentuado pela estética, que adota movimentos da câmera fluidos e constantes no lugar, acentuando a sensação de dinamismo. Em contraponto, o diretor James Ponsoldt, de forma inteligente, filma os espaços externos, como a casa dos pais da protagonista, através de planos fechados e estáticos.

Depois de um incidente infeliz, Mae vira o rosto da empresa. Ela é convidada por Bailey e Stenton (Patton Oswalt) a virar “transparente”, ou seja, ter todos os momentos da sua vida transmitidos na internet. Ela parece bem adaptada ao desafio e cresce profissionalmente, tornando-se uma voz a ser considerada em todas as decisões estratégicas. Porém, outro incidente relacionado a um novo aplicativo a faz repensar todo o conceito do Círculo.

 

o circulo 2

 

 

Ao longo de toda a projeção, há a sensação de que os temas constantemente apresentados serão mais tarde desenvolvidos de forma crítica em uma total inversão do modelo positivo do começo. Isso não se concretiza, provocando uma frustração que perdura após o final do filme. A suspeita sobre a veracidade do caso de uma senadora apresentado logo ao início é apenas um exemplo de subtrama completamente abandonada.

Diante da péssima construção narrativa, a impressão que fica é a de que os elementos foram simplesmente jogados para serem logo esquecidos. As ações duvidosas de Bailey e Stenton, que nunca são devidamente expostas e o aspecto descartável do personagem interpretado por John Boyega são indícios do tratamento pouco cuidadoso do roteiro de Ponsoldt e Eggers.

Caminhando na irregularidade, o longa despenca para níveis medíocres no seu terceiro ato, quando inclui reviravoltas de maneira forçosa, aparentemente por não saber como construir uma reflexão forte o suficiente para culminar no clímax. Este, por sua vez, revela-se excessivamente ingênuo, chegando a parecer infantil.

O que seria um interessante debate sobre os limites da experiência humana filtrada pela tecnologia perde-se em meio a falta de coragem dos roteiristas em aprofundar-se no tema, incluindo toda a obscuridade requerida para tal. Diante disso, a melhor forma de descrever “O Círculo” é como um episódio de “Black Mirror” for dummies.

 

Pôster:

 

o circulo poster

 

 

Ficha técnica


Ano:
 2017

Duração: 110 min

Nacionalidade: EUA

Gênero: drama, ficção científica, suspense

Elenco: Emma Watson, Tom Hanks, Karen Gillam, John Boyega

Diretor: James Ponsoldt

 

 

Trailer:

 

 

 

Imagens:

Avaliação do Filme

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