Por Luciana Ramos
Dia após dia, o maquinista realiza seu trabalho sem grandes aspirações, apitando pelo caminho para anunciar o aviso do trem. O som instiga um menino de rua, que trabalha para um hotel e mora numa casinha de cachorro, a sair correndo pelos trilhos, alertando a todos da pequena aldeia alemã para recolherem seus pertences: mesas de xadrez, varais de roupas, brinquedos de crianças e todos os tipos de coisas inimagináveis de acomodam nos trilhos do trem enquanto este não passa. Sem maiores aspirações na vida, o maquinista se distrai olhando por dentro das casas, sonhando acordado com uma mulher que sensualmente retirava seu sutiã.
Curiosamente, um dia exatamente esta peça fica presa na lataria do transporte. A solidão, potencializada pela sua aposentadoria forçada, o leva a buscar o amor na figura da dona do sutiã – para isso, ele deve bater de porta em porta para descobrir quem é a misteriosa mulher.
A premissa do filme de Veit Helmer poderia facilmente descambar para a misoginia, em especial no tratamento sexualizado e raso da figura feminina, mas felizmente “De Quem é o Sutiã?” escapa de tais armadilhas ao apostar no lúdico, enaltecendo o componente poético da busca.
Para o protagonista, sua jornada lhe renova o sentido, uma vez esgotado pela perda do trabalho; achar a tal mulher seria muito mais uma cura da solidão latente do que algo de cunho sexual – algo facilmente observado pelo seu comportamento frente às mulheres e seu comprometimento com o objetivo. Para o menino que o auxilia, é a oportunidade de realizar uma conexão humana com alguém que o trate como tal; já para algumas mulheres, o sutiã significa a chance de retomar a sexualidade, o mistério, a (in)adequação aos ideias românticos alheios, a chance (desesperada e hilária) de reviver o amor.
Os múltiplos significados que esta busca assume são embalados em composições visuais inspiradas, olha explorando panoramicamente o visual alemão, ora atentando-se em mostrar suas particularidades da pequena vila.
Sem diálogos, o longa nutre-se da trilha sonora para compor o clima, sendo esta auxiliada de sons guturais de fácil entendimento. Ao final, “De Quem é o Sutiã?” ainda consegue imprimir uma última pequena, mas feliz subversão ao tema que ele mesmo propõe, oferecendo uma feliz surpresa ao espectador que se lançar à tarefa de assisti-lo.
Ficha Técnica
Ano: 2020
Duração: 90 min
Gênero: comédia, drama
Direção: Veit Helmer
Elenco: Predrag Manojlovic, Paz Vega, Chulpan Khamatova