Por Luciana Ramos
“Desculpe o Transtorno” propõe-se a observar um triângulo amoroso a partir da dissociação de identidade do seu protagonista. As mulheres da sua vida representam partes diametralmente opostas da sua existência e escolher uma, portanto, é aniquilar o outro lado de si. A partir dessa proposta, o filme transita entre o drama existencial e a comédia, ora irônica, ora escrachada. No entanto, um estruturação frágil de roteiro torna-o uma obra amorfa, impossível de ser apreciada.
Logo ao início, somos apresentados ao divertido Duca (Gregorio Duvivier), um garoto carioca que desfruta a infância pulando muros com os amigos e andando de skate. Sua felicidade é interrompida pelo anúncio da separação dos seus pais, o que lhe impõe uma decisão terrível: ele deve optar onde e com quem morar. Uma grande eclipse temporal nos mostra que Duca, que agora atende por Eduardo, escolheu mudar-se para São Paulo. Sua rotina regrada mostram que os dias de diversão deram lugar ao trabalho ininterrupto e a alegria encontra-se bem distante.
Ao saber da morte repentina de sua mãe, ele é obrigado a voltar para o Rio por alguns dias e confrontar tudo que deixou para trás. No caminho, conhece Bárbara (Clarice Falcão), uma jovem sonhadora que trabalha distribuindo abraços vestida de coelho no aeroporto. O envolvimento dos dois, associado a um gatilho particular, desencadeia um processo dissociativo da sua identidade: se por um lado continua sendo o responsável e obsessivo Eduardo, por outro, agora tem que lidar com o reaparecimento de Duca, sua persona malandra e desprendida.
A oscilação de seu comportamento causa imenso estranhamento nas pessoas mais próximas, como o seu pai (Marcos Caruso) e Viviane, sua namorada paulista (Dani Calabresa). Gradualmente, Eduardo/Duca toma conhecimento da peculiaridade de sua situação e entende que para sanar o problema deve escolher e assumir uma das personalidades integralmente.
A trama aparentemente complexa é dilatada pelo tom suave do romance, sempre reforçado pelo humor. Propondo-se a oferecer um entretenimento situado entre o cinema brasileiro autoral e o comercial, “Desculpe o Transtorno” perde-se completamente na péssima estruturação do seu roteiro.
O maior problema concerne à opção de traçar um paralelo entre a condição do personagem e as características conflitantes entre as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, como se tal recurso precisasse ser utilizado para mastigar a história de forma que se tornasse mais palatável ao espectador.
Assim, Eduardo engloba todas as “características” do lugar onde mora: é um workaholic certinho, enfadado, sem humor e, portanto, incapaz de apreciar suas realizações. Duca, seu contraponto, contempla o sol no Arpoador tomando cerveja, sente o vento no rosto ao andar de bicicleta, aproveitando o momento plenamente. Tal maniqueísmo estende-se às personagens femininas, oscilando entre a obsessão por controle e selfies de Viviane e a união entre o espirito livre e uma sensibilidade aguçada de Bárbara.
A superficialidade do tratamento indica que o filme não tem muito a mostrar. As lacunas narrativas são potencializadas pelo desejo de atingir todos os gostos, o que resulta na inserção de anedotas rápidas ao melhor estilo “Porta dos Fundos” – com participação de atores do grupo – que, ao contrário do material do canal, são extremamente mal escritas e não deixam de provocar um sentimento de vergonha alheia em certas horas.
A interpretação de Gregorio Duvivier é desprovida das necessárias nuances, o que comprova que uma mudança de penteado não é o suficiente para a composição de um personagem. O tom cartunesco de Dani Calabresa mostra-se igualmente prejudicial. Clarice Falcão, por sua vez, oferece uma interpretação sólida, pautada no seu carisma, mas nem esse é capaz de salvar a produção. Não obstante, pequenas falhas técnicas, como o aparecimento do microfone dos atores em duas ocasiões, demonstram uma falta de domínio da forma cinematográfica que contribui para o declínio da qualidade da obra.
Diante de uma sucessão de passagens que não despertam o riso ou o envolvimento emocional, “Desculpe o Transtorno” não encontra razão de existir. Nem mesmo uma declaração estampada no jornal é capaz de redimi-lo.
Ficha técnica
Ano: 2016
Duração: 94 min
Nacionalidade: Brasil
Gênero: comédia, romance
Elenco: Gregorio Duvivier, Dani Calabresa, Clarice Falcão
Diretor: Thomas Portella
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