Por Luciana Ramos
No livro “Romance Moderno”, o comediante e autor Aziz Ansari analisa a progressão dos relacionamentos ao longo das décadas, apontando um curioso paralelo: antigamente, devido à falta de mobilidade, os romances restringiam-se às vizinhanças das pessoas – era comum casar-se com o rapaz ou moça do quarteirão ao lado; com os anos, as distâncias encurtaram e as possibilidades de amor tornaram-se globais. Agora, aplicativos baseados em geolocalização voltam a reunir pessoas fisicamente próximas. Isto, porém, contém um paradoxo curioso: embora fisicamente unidos, estamos cada vez mais isolados e distantes, alheios ao mundo ao redor.É exatamente este pensamento o ponto de partida de “Encontros”, que se vale das jornadas de dois vizinhos para trabalhar temas contemporâneos como solidão, depressão e, claro, o amor.
Embora tenham se cruzado inúmeras vezes, Mélanie (Ana Girardot) e Rémy (François Civil) nunca se observaram, atentos às suas próprias preocupações rotineiras. Eles não sabem, mas possuem muito em comum: ambos têm problemas com o sono (um em excesso, outro em falta), além de partilharem o mesmo gato. A pressão que sentem nos respectivos trabalhos soma-se à correria e ao isolamento – apáticos e deprimidos, eles parecem ter perdido a capacidade de estabelecerem uma conexão verdadeira com outra pessoa.
Para lidar com o problema, recorrem à terapia, que os incentiva a buscar solucionar os problemas existenciais pendentes antes de se abrirem para alguém. Determinada a superar a dor do ex, Mélanie recorre ao Tinder como ferramenta de encontro, mas logo descobre que a busca por alguém que lhe faça sentido é mais difícil do que parece. Completamente retraído, Rémy é uma presença mais apática, sua inadequação social é gritante. Ainda que tente estabelecer relacionamentos, seja com a extrovertida Djena (Eye Haidara) ou com o ex-colega Mathieu (em uma maravilhosa aparição de Pierre Ninney), ele não parece ser capaz de superar a melancolia.
Embora lide com sentimentos depressivos e devastadores, a narrativa de “Encontros” não é, de modo algum, pesada. Apostando na vivência cotidiana como forma de explorar o psicológico de seus personagens, o roteiro propõe pequenas reflexões sobre a vida moderna, embasando-os nas falas didáticas dos psicólogos (vividos por Camille Cottin e François Berléand), que contextualizam os pensamentos do diretor e roteirista Cédric Klapisch.
A recente e brusca mudança do título do filme no Brasil – de “(Des)Encontros” para “Encontros” propõe um olhar positivo sobre o filme, voltado paras as suas possibilidades românticas, mas a verdade é que a obra transita muito mais nas narrativas individuais de Mélanie e Rémy e, consequentemente, nos esforços de ambos em superarem suas limitações sociais.
Porém, neste processo narrativo de aprofundamento e posterior desconstrução, a trama acaba pecando por inserir subtramas demais, o que acarreta uma sensação de estafa. Esta, por sua vez, é reforçada pelo caráter introspectivo de seus personagens (em especial Rémy) que, por parecerem coadjuvantes da própria vida, demoram a despertar o interesse do espectador.
A trama enfim engata no meado do segundo ato com a maior participação de tipos curiosos e carismáticos, como a citada Djena e Mansour (Simon Abkarian), o dono do mercadinho do bairro. Porém, ainda que ao final se revele adorável, “Encontros” não consegue oferecer um olhar original sobre relacionamentos modernos, permanecendo à sombra de outros filmes mais interessantes, como o ótimo argentino “Medianeras” ou mesmo a trilogia anterior do próprio Klapisch, composta por “Albergue Espanhol”, “Bonecas Russas” e “O Enigma Chinês”.
Ficha Técnica
Ano: 2019
Duração: 110 min
Gênero: romance, drama
Direção: Cédric Klapisch
Elenco: François Civil, Ana Girardot, Camille Cottin
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