Por Luciana Ramos
Alguns ingredientes foram determinantes para o sucesso de “Estômago” (2008), um filme de baixo orçamento que unia culinária e violência em um pano social particularmente brasileiro. As histórias de Raimundo Nonato (João Miguel) sobre os ingredientes e pratos que trabalhava espelhavam a sua devoção pela comida, mas também o uso dela para ascensão social, seja dentro ou fora da prisão. Essa dinâmica se consumava pela hierarquia dos colchões da sua cela, testando os seus limites em um jogo de poder.
O anúncio de uma continuação do filme dezesseis anos depois trouxe doses similares de entusiasmo e preocupação: afinal, trata-se de uma arquitetura narrativa muito rica, que poderia dar palco para boas histórias; por outro lado, notava-se a possível replicação de uma lógica mercadológica do cinema, já esgarçada nos Estados Unidos, que usa a conexão emocional do espectador como mote para sugar mais um ingresso, sem pensar propriamente no papel artístico de uma sequência.
Pois bem, infelizmente “Estômago II – O Poderoso Chef” pende muito mais para o lado comercial, oferecendo um roteiro bem aquém do primeiro, mesclando algumas repetições de cenas de sucesso a uma trama nova passada na Itália. Boa parte da ação é deslocada para o país europeu, inserindo (de forma bem rocambolesca) uma disputa de poder na máfia, que determina a ida de Dom Caroglio (Nicola Siri) para a mesma prisão de Nonato.
Passado tanto tempo encarcerado, este especializou-se na cozinha, montou uma equipe e hoje é encarregado da alimentação de carcereiros e o chefe da penitenciária, servindo à parte o amigo Etcetera (Paulo Miklos) como forma de manter a lealdade. A chegada de um mafioso de suposto alto calibre leva o líder da principal facção da prisão a organizar um banquete de recepção – assim como foi feito com ele no primeiro filme – mas as suas investidas são recebidas com descaso por Caroglio que, para piorar, resolver “contratar” os serviços de Raimundo Nonato, vulgo Alecrim, com exclusividade.
As tensões crescem exponencialmente até um inevitável conflito entre os dois, pressionando o cozinheiro a escolher um lado e tentar se manter vivo – e sem perder todos os benefícios conquistados. É uma tarefa difícil, que Alecrim leva com o misto de ansiedade, palavrões e certa maestria na arte de puxar o saco.
Embora passe por momentos atabalhoados, como a constrangedora participação de Projota como um dos detentos, essa parte da narrativa consegue ser sedutora e eficiente, muito por conta do talento de João Miguel em explorar as possibilidades cômicas de cada ação. Sua figura familiar é, de fato, prazerosa de se reencontrar, e a obra como um todo se beneficiaria se enxergasse com mais distinção essa característica. Ao contrário, aposta-se na relegação do personagem mais cativante ao segundo plano, deslocando a tensão para terras italianas, onde um conflito de amor, traição e vingança se passa em um restaurante brasileiro.
Além da cafonice com que alguns plot twists se delineiam, nota-se um exagero no delineamento dos personagens de lá – incrivelmente estereotipados, mas sem o apelo cômico preterido – e uma falta de imaginação em explorar nuances na realidade construída. Além de tudo, peca-se pela falta de molho: é chato, em bom português.
Assim, “Estômago 2” transita na estranha corda bamba que parece reger as sequências: é agradável o suficiente para entreter os fãs do personagem, agraciados com mais um pouco de tempo com ele e sua peculiar visão de mundo, mas insuficiente como obra independente. Ao final, abre espaço para novas histórias, mas fica a pergunta: será mesmo necessário?
Ficha Técnica
Ano: 2024
Duração: 2h
Gênero: comédia, crime, drama
Direção: Marcos Jorge
Elenco: João Miguel, Paulo Miklos, Nicola Siri, Violante Placido