Por Marina Lordelo
Com uma abertura que preconiza o discurso do protagonista em voz off sobre a articulação da memória em organizar os fatos ocorridos em uma suposta ordem cronológica, o também diretor, roteirista e montador, Thiago Luciano resume “Fica Mais Escuro Antes do Amanhecer” (2018) nos primeiros três minutos da película. No que vem a ser o segundo longa-metragem de sua carreira, Luciano retoma o que parece ser o condutor do seu viés criativo, a vontade de falar sobre elementos de introspecção, especialmente a condição psicológica dos personagens.
Para dar condições de transpor imageticamente sensações extremas, em especial a dor da perda e a depressão, o realizador utiliza da alegoria meteorológica – Iran (Thiago Luciano) vive em uma condição que alterna entre o extremo frio e o calor escaldante. Trabalhador de uma fábrica de gelo, é a sua condição psicológica e a relação com a depressão de sua companheira que conduz a alegoria da temperatura, em especial do frio, por todo o vilarejo onde vive.
Há uma ambientação eficiente para localizar o espectador no clima desejado, uma paleta de cores fria, seja no figurino, nos elementos de cena, nas atuações contidas, na música original entoada por instrumentos de corda agudos, na paisagem da neve, no bom emprego do gelo. Há uma dedicação tão cuidadosa ao frio que o calor torna-se secundário em todos os setores da obra, que insiste nos recursos mais óbvios como o suor e o ventilador para evocar o desconforto físico.
A fotografia de André Besen é cuidadosa e honesta para um filme considerado de baixo orçamento. Na maior parte do tempo, usa a lente normal (50 milímetros) como recurso neutro frente aos contrastes da paisagem gélida grandiosa e do espaço limitado da fábrica e da casa de Iran. Com um equipamento relativamente simples para os mais ambiciosos do cinema, Besen assume a câmera na mão como uma linguagem metafórica para as memórias do protagonista, em contraponto a condição estagnada de sua vida presente. Há uma preocupação estética evidente em não dissociar forma de conteúdo, ou em justificar a abordagem poética nas escolhas técnicas da equipe.
Mas há algumas preocupações legítimas que precisam dialogar na tela, e a primeira delas é a frágil e delicada condição de Lara (Lucy Ramos), que assume um papel secundário na narrativa para construir e situar o personagem de Iran. Ainda que haja poesia e certa responsabilidade em tratar do tema depressão, há um pequeno escorregão em não permitir que haja conexão entre ela e o espectador. Há uma potência grandiosa na personagem feminina, mas ela fica reduzida ao olhar do seu companheiro.
E para falar em sentir, a sensação mais latente que “Fica Mais Escuro Antes do Amanhecer” deixa no espectador é a de que transmite uma história que não coube na tela, que tenta colocar em imagens e sons sensações e sentimentos usando uma espécie de sinestesia ineficiente, que subjuga e até mesmo subestima a dor da perda e a dor de desistir da vida, ainda que se empenhe na utilização de metáforas poéticas, seja numa era glacial, no calor escaldante ou, até mesmo, na escuridão do último pôr do sol.
Pôster
Ficha Técnica
Ano: 2018
Duração: 89 min
Gênero: drama, mistério
Direção: Thiago Luciano
Elenco: Thiago Luciano, Lucy Ramos, Caco Ciocler, Kadi Moreno.
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