Por Marina Lordelo
Mulheres no front da brigada do exército do Curdistão. Esse é o plot do filme “Filhas do Sol”, que trata da história verídica de um combate armado e sanguinário durante o período de 2014-2015 entre o exército Curdo (na figura do batalhão feminino) e os extremistas religiosos. Assim, em 2018, a obra de Eva Husson entrou na corrida para o principal prêmio do Festival de Cannes, retratando uma temática necessária sob uma lógica das vítimas mais massacradas pela guerra, as mulheres, a partir de uma premissa não fragilizada, mas resiliente e resistente.
Bahar (Golshifteh Farahani) é uma líder curda de uma frente de batalha feminina, que acolhe a fotojornalista francesa Mathilde (Emmanuelle Bercot) em sua missão de retomar a cidade de Gordyene da posse dos extremistas. Neste processo que envolve um resgate da memória que levou Bahar a se alistar, ela e Mathilde se sensibilizam com os sentimentos e motivações que as levam a tamanha dedicação à causa da guerra.
A narrativa é cinematográfica e o roteiro engenhoso ao contar a história atual de Bahar seguindo uma lógica linear permeada por flashbacks – ambas interessantes, seu presente duro e cheio de vigor para o combate e seu passado amargo, repleto de desgraça e sofrimento. Eles se retroalimentam para compreender o que levou a líder até o seu ponto atual. Um contraponto com a desinteressante e suprimida história de Mathilde, que por mais sofrida que seja, jamais seria comparável ao que as camaradas curdas tinham experienciado. Assim, o centramento narrativo dedica-se ao universo do Oriente Médio e dos feitos que movem as angústias e os desejos de retaliação do exército feminino.
Para mergulhar nessa história tão complexa, Husson adota uma montagem eficiente, cheia de elipses, ora lenta, tensa, que explora as sensações, ora acentuada, ligeira, angustiante, para intensificar as ações. E conta com uma fotografia estilizada de Mattias Troelstrup, que afoga o espectador em sua profundidade de campo claustrofóbica e luzes que acentuam os tons da guerra e da violência, sem caricaturas. Troelstrup traz a noite amarelada dos desertos quentes e o vermelho do sangue, da culpa, da dor para ressaltar a vida da protagonista na tela.
Mulheres, Vida e Liberdade. Cantam ao descansar, ao se preparar para a batalha. Elas sabem que algumas companheiras serão assassinadas, ou que as minas aterrorizarão os caminhos até Gordyene. Não é só sobre recuperar a cidade, ou libertar seus prisioneiros, mas sobre retaliar toda a desgraça que as mulheres sofrem e sofreram por uma guerra absolutamente misógina e hedionda. E se os kamikazes não temem a morte porque irão ao paraíso, elas não temem em levá-los ao inferno, pois, mulheres que assassinam homens garantem que eles não encontrem, jamais, Alah.
Essa crítica faz parte da cobertura do Festival Varilux de Cinema Francês 2019
Ficha Técnica
Ano: 2019
Duração: 115 min
Gênero: drama, guerra
Diretora: Eva Husson
Elenco: Golshifteh Farahani, Emmanuelle Bercot, Zübeyde Bulut
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