Por Marina Lordelo

 

*Contém spoilers *

 

“Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1964) é um filme de um dos principais cineastas brasileiros, o precursor do Cinema Novo, Glauber Rocha. Lançado no ano de instauração do golpe militar no Brasil, a obra retrata a peregrinação do sertanejo Manuel (Geraldo Del Rey) e Rosa (Yoná Magalhães) em fuga pelo assassinato do coronel para o qual trabalhavam.

Para analisar a fotografia da obra, é importante ressaltar alguns elementos que irão influenciar as decisões do fotógrafo Waldemar Lima, no que tange as escolhas de luz e de plano. Ambientado no sertão da Bahia (Canudos, Feira de Santana e Monte Santo), o filme dispõe de locações externas em sua maioria, mas com algumas sequências internas importantes para a narrativa (a exemplo a cena da morte de Sebastião – Lidio Silva, que acontece na capela).

 

 

Waldemar Lima e Glauber Rocha escolhem em seu primeiro ato centralizar os protagonistas no plano, subvertendo a regra dos terços. Apesar de tencionar outras regras do cinema clássico, optam por super enquadramentos, um clichê dentro da fotografia cinematográfica que faz sucesso desde a época de Orson Welles com “Cidadão Kane” (1941).

A câmera está geralmente na mão, o que sugere algum movimento, ainda que a mise-en-scène seja predominantemente fixa. Sugere o teatro filmado do cinema originário, preconizado por seus realizadores como adoção de linguagem ou por preferencia estética. Há também o que parece ser uma descontinuidade de luz nos planos médios e closes que se passam em locações ao ar livre, certamente em função da variação da luz natural, que sofre alterações com nuvens e movimentação do sol. Neste sentido, o Cinema Novo trata de valorizar a liberdade dos movimentos de câmera e a autonomia da luz, tal qual preconiza o cinema realista já discutido no período da Nouvelle Vague.

Em oposição a premissa naturalista que predomina a obra, o realizador e o fotógrafo escolhem ressaltar os contrastes das sombras na sequência da morte de Sebastião na Igreja, o que sugere a necessidade de uma criação surrealista imagética para além da proposta narrativa. Nesta sequência, a luz assume protagonismo e sugere o surrealismo – as sombras projetadas não seguem uma lógica racional conforme a incidência das fontes luminosas. Este uso criativo da luz adiciona uma nova camada interpretativa a sequência – que também usa de um leve travelling frontal, sugerindo o zoom in. Uma outra característica imagética que foi adotada foi o salto no eixo, que fica evidente na cena de afeto entre Corisco (Othon Bastos) e Rosa, mais uma vez como uma proposta de gerar a descontinuidade deliberada.

 

 

Por fim, toda a sequência que inclui o cangaceiro Corisco, um evidente exemplo de teatro filmado, é rica em planos-detalhes que se descontinuam no tempo e dialogam com o gênero western estadunidense.

 

 

 

 

 

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