Por Murillo Trevisan

Ambientado na era Jim Crow – com leis que que institucionalizaram a segregação racial no sul dos Estados Unidos – Tony “Lip” Vallelonga (Viggo Mortensen), um brucutu ítalo-americano com condutas preconceituosas, ganha a vida como leão de chácara em clubes da máfia no Bronx, em Nova York. Tendo em vista a dificuldade financeira, ele aceita um trabalho paralelo como motorista do Dr. Don Shirley (Mahershala Ali), um pianista de notória sagacidade e talento, que fará um tour espalhando sua música pelos estados do sul.

Embora dono de um elevado nível intelectual, Shirley enfrentava contrariedades básicas – desde ir ao banheiro em uma residência pessoas da elite até comer em um restaurante de luxo – por um único motivo: a cor de sua pele. Mesmo ciente do racismo sofrido, ele não tinha qualquer contato com a cultura popular afro-americana; muito pelo contrário, buscava se distanciar do que lhe pudesse tipificar. Um doutorado em música que não conhecia Aretha Franklin.

Tony, que inicialmente aceita o serviço apenas pelo dinheiro, aos poucos vai deixando suas discriminações de lado e torna-se amigo e confidente do doutor, gerando uma parceria e amizade duradoura. Uma das passagens em que essa transformação pode ser compreendida com mais clareza é quando o motorista compartilha um balde de frango frito com o músico, que até então desconhecia o sabor da iguaria e considerava uma atitude nojenta o ato de comer com as mãos. Embora esse determinado ponto do filme não tenha repercutido bem – gerando uma mensagem inversa da proposta na obra, que reforça ainda mais o estereótipo do negro norte-americano – a cena é tratada com bastante sutileza, utilizando um leve Product Placement do KFC para aproximá-los.

Por se tratar de uma produção co-roteirizada por Nick Vallelonga (filho do próprio Tony Vallelonga) baseada em relatos e cartas deixadas por ele, a narrativa é contada a partir do ponto de vista do homem branco, suavizando seus defeitos e problematizando as peculiaridades do Dr. Don Shirley. Não chega a ser um problema em tela, mas é um tópico que merece ser salientado, por se tratar de uma cinebiografia e da temática abordada.

Uma das sábias decisões do diretor Peter Farrelly – mais conhecido pelas comédias pastelão que dirigiu ao lado de seu irmão Bobby Farrelly como “Quem Vai Ficar com Mary?”, “Debi & Lóide: Dois Idiotas em Apuros” e “O Amor é Cego” – foi de mudar a estrutura do filme: deixando de lado a possibilidade de apelar para o drama social a partir do material base o tornando um Oscar bait para mesclar a complexidade do assunto com um refinado traço de humor; que aqui funciona com excelência ao quebrar a tensão e aproximar os personagens.

Sem dúvidas o maior mérito do filme é a rica atuação dos protagonistas acentuando ainda mais o carisma de seus personagens. Viggo Mortensen (“Capitão Fantástico“) estampa na tela uma eficiente dinâmica que consegue explorar a diversidade de seu papel a partir de ótimos diálogos, simplicidade e o bom humor. Linda Cardellini (“Um Pequeno Favor”), que aqui interpreta a esposa de Tony mas ganha pouco tempo de tela, é o norte que o personagem de Viggo se apoia e a fonte de seu sucesso.

Embora esteja sendo inscrito nas premiações como “ator coadjuvante”, é Mahershala Ali (“Estrelas Além do Tempo“) quem rouba o protagonismo e traz a excelência ao filme. Ali se entrega 100% ao papel, realizando a melhor atuação de sua carreira desde “Moonlight: Sob a Luz do Luar”, colocando-o também como um dos melhores profissionais da atualidade.

“Green Book: O Guia” – título que faz alusão ao guia de estabelecimentos para motoristas negros que viajavam ao sul dos Estados Unidos na década de 60 – acaba sendo um delicioso Road Movie, que suaviza a sobrecarregada temática em uma divertida “dramédia”.

Ficha Técnica

Ano: 2018

Duração: 130 min

Gênero: Biografia, Comédia, Drama

Diretor: Peter Farrelly

Elenco: Viggo Mortensen, Mahershala Ali, Linda Cardellini, Sebastian Maniscalco, Dimiter D. Marinov

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Avaliação do Filme

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