Por Bruno Tavares
Após anos dedicado a produções dramáticas, o aclamado diretor Steven Spielberg faz seu retorno aos filmes de aventura com “Jogador Nº 1”. A combinação de uma boa história com um condutor competente transforma o longa em um hit instantâneo. Baseada no livro de Ernest Cline, a trama se passa no ano de 2044 onde a Terra não é mais a mesma. A humanidade vive em constante estado de apatia devido à fome, guerras, desemprego e crises ambientais. Por conta disso, a maioria das pessoas foge de sua realidade deprimente e passa horas conectada no OASIS – uma realidade virtual complexa que permite a seus usuários serem quem ou o que quiserem em um número quase infinito de aventuras.
Repleto de homenagens aos anos 1980, o game foi criado por James Halliday (Mark Rylance). Ao morrer, o bilionário escondeu em algum lugar desse imenso jogo uma série de easter-eggs. O avatar que encontrar as três pistas, aqui disfarçadas de chaves, herda a fortuna de Halliday e o controle total do OASIS. Essa busca mobilizou milhões de pessoas e acabou criando uma nova classe de jogadores: os caçadores de ovos. Nesse contexto, conhecemos Wade Watts (Tye Sheridan), que no virtual atende por Parzival. Juntamente com Art3mis (Olivia Cooke), Aech (Lena Waithe), Daito (Win Morisaki) e Shoto (Phillip Zao), ele tenta desvendar a misteriosa localização das chaves antes da Innovative Online Industries (IOI). Esta empresa vilanesca pretende privatizar o OASIS e transformá-lo em um parque virtual para elites abastadas.
Diferente do livro, o filme possui um ar mais positivo e não aborda em profundidade assuntos polêmicos. O excesso de imersão online que prejudica as relações humanas, a pobreza extrema e o trabalho escravo usado por grandes corporações são temas apenas pincelados no longa. Porém, o roteiro é consistente e estabelece paralelos com outros fatos tanto da ficção quanto da realidade. De início, é possível notar as conexões da história com o concurso criado por Willie Wonka em “A Fantástica Fábrica de Chocolate”. Em “Jogador Nº 1”, não existe um bilhete dourado, mas sim chaves que levam o escolhido a herdar um império.
Outra ligação clara se faz entre os personagens James Halliday e Ogden Morrow (Simon Pegg) com as mentes responsáveis pelo sucesso da Apple, Steve Jobs e Stephen Wozniak, ao tecer o antagonismo entre as figuras dos gênios introspectivos que têm dificuldades em relacionamentos e conduzem os avanços da tecnologia com a dos empreendedores que se assumem como a face pública da empresa e a impulsionam através de ações assertivas.
Graças à sua narrativa bem delineada, o filme possui personagens carismáticos que geram empatia imediata com o público. A atuação dessas figuras dramáticas é potencializada pela exuberância do local onde estão. As equipes de arte e de efeitos visuais trabalharam bem e criaram o OASIS fazendo jus às descrições do livro. A riqueza de detalhes assusta e até mesmo o espectador mais atento se perde em meio a tantas minúcias. Por meio de seu colorido extremo, o jogo reforça temas como aceitação e tolerância ao permitir que as pessoas sejam e se comportem como quiserem. Em contrapartida, o mundo real se mostra apático e com tons duros, dando mais força às calamidades enfrentadas pela população. Um brilho à lá J. J. Abrams, aparece como um conector e está presente em ambos os ambientes.
Outro elemento que também se destaca são as cenas de ação. Seja no jogo imersivo ou fora dele, Spielberg deixa clara sua marca ao realizar movimentos de câmera que conduzem o olhar do espectador. Com toda sua experiência, ele transforma a produção em uma obra fluída e gostosa de assistir. O título contém ainda alguns de seus marcantes planos-sequência, realizados com tamanha técnica que são quase imperceptíveis. Tudo isso é amplificado pela competente trilha de Alan Silvestri, que ora cala, ora grita, mas nunca perde o compasso. A primeira cena de corrida, por exemplo, não possui acordes e deixa todo o trabalho por conta da mixagem de som. Já a batalha final tem sua tensão construída em uma batida ritmada que embala a emoção do espectador.
Mas tamanha diversão não envolve apenas o público. Depois de uma longa fase de fascinação por heróis da vida real, Spielberg volta ao estilo de aventura pelo qual ficou conhecido. Aqui, o diretor brinca com o cinema fazendo referências a seu próprio trabalho e a outras produções dos anos 1980. O movie brat reproduz com maestria duas de suas características mais tradicionais: cria uma narrativa fantástica e gera deslumbramento no público, retornando de maneira triunfal ao gênero.
Diante de tantas qualidades, “Jogador Nº 1” se mostra como um dos grandes blockbusters do ano e merece ser assistido como foi planejado: na tela grande e em 3D. Se não pela estética, uma história orquestrada de forma tão completa, tecida por uma das maiores mentes da Hollywood atual, já vale o ingresso.
Pôster:
Ficha Técnica:
Ano: 2018
Duração: 140 min
Gênero: Ação, Aventura, Ficção Científica
Diretor: Steven Spielberg
Elenco: Tye Sheridan, Mark Rylance, Olivia Cooke, Lena Waithe, Win Morisaki, Phillip Zao e Simon Pegg
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