Por Luciana Ramos
Tarzan apareceu pela primeira vez na cultura popular no ano de 1912, resultado da criação de Edgar Rice Borroughs. O seu apelo narrativo é inerente da falta de conhecimento aprofundado da época sobre o território africano, além da indagação existencial sobre os hábitos de um homem que nunca cruzou com a civilização. Tais elementos serviram para transformar a obra em um forte componente do imaginário popular.
Desde então, originou mais de cinquenta adaptações audiovisuais, entre a televisão e o cinema. “A Lenda de Tarzan” surge nesse contexto como uma tentativa de trazer uma nova vertente ao tema, mas a escolha em usar moldes narrativos desgastados e apelo visual inconstante limitam a apreciação do filme.
O longa predispõe-se a trabalhar pela ótica do homem que, já doutrinado pela civilização, recebe o convite de reencontrar-se com sua origem por meio de uma viagem ao Congo. Contido em seus maneirismos, John Clayton III (Alexander Sgarsgård) reluta, mas é persuadido pelo americano George Washington Williams (Samuel L. Jackson), que acredita no uso da bandeira do progresso como desculpa para colonizar o povo africano.
Acompanhado da esposa Jane (Margot Robbie), ainda em recuperação de um aborto, o lorde embarca em sua viagem e é surpreendido por uma sucessão de acontecimentos e sensações: o reencontro com a tribo onde Jane foi criada lhe traz tanta alegria quanto o com os animais com que costumava conversar, ao passo que eventos violentos que põem em risco a vida de sua esposa trazem à tona a urgência da ação acompanhada pelo afloramento dos instintos animais.
Dessa forma, John logo transforma-se em Tarzan e, contando com a união de homens e animais, reforçará as lendas cantadas em seu nome. Nesse contexto, passagens em flashback contextualizam sua história pregressa e ajudam a enaltecer o seu espírito.
O maior problema narrativo do longa escrito por Adam Cozad e Craig Brewer é a adequação da história a construções simplistas que transparecem a superficialidade da abordagem. A concatenação de pequenos clichês afirma os personagens em papeis fixos na trama – Jane como a mocinha em perigo, Ron Com é o retrato das ambições malignas e George Williams serve como alívio cômico – cuja impossibilidade de transitar em outras nuances ajuda a tornar o arco dramático do protagonista cansativo.
Este, por sua vez, é bastante calcado nos moldes dos filmes de super-heróis: Tarzan é ágil e pula de cipó em cipó vertiginosamente, sem qualquer esmero pela verossimilhança, além de aparentemente possuir o poder da regeneração rápida. A escolha revela a intenção do filme em ser comercialmente apelativo, mas a inadequação ao tema acaba por inibir a experiência do espectador.
Não obstante, a construção narrativa mostra-se fraca no seu contexto mais amplo. A adoção da Inglaterra (e seus filhos) como salvadora dos povos nativos da África em detrimento ao perfil explorador imperialista da Bélgica é tão absurda, dado o contraste com a realidade da história, que transforma os discursos engrandecedores em falas tolas, fruto da insistência de Hollywood na simplificação dos temas.
Outro aspecto que contribui nesse sentido é o mal uso do CGI, recurso visual que se mostra excessivamente artificial e inferior a outras produções, como “Planeta dos Macacos” e “Mogli: O Menino Lobo”. A fotografia, que trabalha bem o contraste entre os tons cinzentos da cidade e as cores fortes da selva, embebidas por flares, não é capaz de suplantar as falhas estéticas que permeiam a obra.
Todos esses fatores impedem o ator Alexander Skarsgård de oferecer algo além do básico ao seu personagem, ainda que tente por meio de feições animalescas e trabalho corporal. A mesma tentativa parte de Margot Robbie em inserir nuances dramáticas em Jane. Já Christoph Waltz resolve trabalhar no campo da segurança e atua mais uma vez como uma versão má e caricata de si mesmo. O destaque fica por conta de Samuel L. Jackson, que consegue suplantar passagens pouco críveis com carisma e competência.
Em meio a cenas de ação previsíveis e elaborações maniqueístas da realidade, o apelo do exotismo de um personagem que destoa das convenções é perdido, tal como a oportunidade de transformar “A Lenda de Tarzan” em um bom filme. A aventura dispensável será esquecida pelo tempo, sendo sucedida por outras tentativas de reapresentar histórias já conhecidas ao novo público.
Ficha técnica
Ano: 2016
Duração: 110 min
Nacionalidade: EUA
Gênero: ação, aventura
Elenco: Alexander Skarsgård, Margot Robbie, Christoph Waltz, Samuel L. Jackson
Diretor: David Yates
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