Por Luciana Ramos
No longínquo ano de 2007, Ben Affleck realizava sua primeira incursão na posição de diretor, usando a complexidade do sistema judiciário e seus limites éticos para explorar o potencial do seu irmão mais novo, Casey, como leading man. A narrativa bostoniana que mesclava suspense policial e uma boa dose de conflitos existenciais provou-se sólida o bastante para arrancar elogios de público e crítica com ambos louvando a genialidade da performance de Amy Ryan, que acabou sendo indicada ao Oscar pelo papel.
Na pele de uma mãe viciada que clama por justiça e não oferece alguma evidência para corroborar com o que diz, ela mostrou camadas complexas de uma psique que oscilava entre o desespero e a alienação. O seu retorno ao papel de uma mãe com conduta questionável que briga para obter respostas treze anos depois é, no que concerne à sua atuação, tão pungente quanto; infelizmente, desta vez o roteiro não é construído sob fortes alicerces, levando as suas inconsistências a saltarem aos olhos do espectador e prejudicarem a experiência imersiva.
Baseado no livro investigativo de Robert Kolker, o longa-metragem “Lost Girls: Os Crimes de Long Island” retrata os eventos reais em torno de uma série de sequestros e assassinatos de prostitutas em uma comunidade rica e aparentemente pacata. A trama é contada a partir do ponto de vista de Mari Gilbert (Amy Ryan), claramente uma dessas pessoas para quem o sonho americano passou longe. O seu escape é a filha Shannan, a quem trata com certa reverência para ciúmes das irmãs. É certo que a mais velha também ajuda financeiramente a mãe e esse detalhe não é perdido de vista dos policiais quando Mari reporta o seu desaparecimento.
O descaso com que é recebida pelas autoridades refere-se tanto à personalidade e apresentação da mãe quanto ao trabalho de Shannan, uma prostituta que anuncia serviços em aplicativos; mas se outras aquiesceriam com o sofrimento e desprezo, Mari regozija-se e sai em busca de respostas por conta própria.
Neste ponto, o acaso mostra-se um elemento vital quando, de maneira absolutamente acidental, um oficial descobre quatro corpos femininos nas proximidades de Long Island. As identidades revelam a profissão em comum, o que desperta no investigador Richard Dormer (Gabriel Byrne) a possibilidade de se tratar de um serial killer. A falta de evidência material do que houve com a filha potencializa a agonia de Mari, que oscila em achar que ela se salvou e clamar pelo aparecimento do seu corpo. No ímpeto de ir a fundo sobre o que aconteceu, ela recorre à força policial, à imprensa e até a um morador do condomínio próximo aos crimes com inclinações a teorias conspiratórias.
É exatamente neste ponto crucial para o desenvolvimento dos fatos que a trama se perde. Pode-se especular que a escassez de informações concretas sobre o caso possa ter atrapalhado o aprofundamento, mas a realidade é que o roteiro se contenta em brincar com possibilidades sem explorá-las a fundo – quiçá seus desdobramentos. Assim, engata-se em um jogo de repetições focado na dedicação da protagonista à sua filha mesmo quando todos os demais parecem ter desistido.
A falta de desdobramentos da investigação – que inclinaria a narrativa para o suspense – poderia ser compensada pelo aprofundamento do psicológico da família central, sua disfuncionalidade e história pregressa, mas isso tampouco passa pela cabeça dos roteiristas. De fato, indica-se que Mari abriu mão da filha mais velha quando esta era pequena por apresentar indicações de doença mental, mas o desinteresse por abordar as camadas psicológicas e sociais que circundam este fato é palpável e torna-se ainda mais frustrante quando os créditos sobem e revelam mais detalhes sobre a vida destas mulheres.
Interligada a esta questão está o tratamento superficial concedido às duas irmãs de Shannan e, em especial, o impacto real que o desmoronamento familiar tem em cada uma delas. É uma pena, portanto, acompanhar a talentosa Thomasin McKenzie se esforçar para oferecer algo a mais à sua Sheree, da mesma forma que, ainda que Amy Ryan consiga carregar o filme com sua intensidade, ela parece desperdiçada em uma narrativa não tão empolgante quanto sua atuação.
Sem o mesmo ímpeto de ir a fundo que a sua personagem principal, “Lost Girls: Os Crimes de Long Island” não consegue se mostrar relevante o suficiente para atrair a devoção de um público que zapeia um catálogo imenso e variado em plataformas de streaming em busca de algo que pareça autêntico e novo.
Ficha Técnica
Ano: 2020
Duração: 95 min
Gênero: drama
Direção: Liz Garbus
Elenco: Amy Ryan, Thomasin McKenzie, Gabriel Byrne, Lola Kirke