Por Luciana Ramos
Bobby Lieber (Billy Eichner) é um podcaster de quarenta anos de relativo sucesso, o que o leva a ser convidado a assumir a coordenação do primeiro museu LGBTQIA+ na cidade de Nova York. Atarefado, verborrágico e sem paciência para os dramas comuns a relacionamentos, ele prefere encontros rápidos e superficiais através de aplicativos, mesmo que estes o levem a situações embaraçosas, como o esforço para fotografar seu próprio bumbum de uma maneira sedutora.
Durante uma festa para o lançamento do app Zellweger, onde gays podem virar amigos, falar de estrelas de cinema e então transarem, ele avista um rapaz bonito ao fundo sorrindo na sua direção, mas é logo avisado por Henry (Guy Branum) que se trata de um tipo chato, obcecado por músculos. Bobby está prestes a desencanar quando Aaron (Luke MacFarlane) aparece ao seu lado. A troca de piadas e observações sobre o local é interessante, mas antes que Bobby possa fazer alguma coisa a respeito, Aaron some de novo.
Assim se molda a dinâmica entre os dois: são sempre encontros amigáveis, que terminam a qualquer momento, cheio de promessas sexuais que nem sempre se concretizam (ou, ao menos, da maneira como Bobby gostaria). Os dois não poderiam ser mais diferentes em predileções ou visões de vida, e esse é o primeiro ponto interessante de “Mais Que Amigos”, já que o roteiro faz questão de frisar como as experiências formativas moldaram ambos.
Bobby sofreu por ser gay a sua vida toda, ouvindo de outros que deveria “diminuir” a sua personalidade. De maneira combativa, ele se transformou em um adulto que fala forte e alto, nunca se desculpa por ser quem é e abraça com todas as forças a missão de fazer um mundo melhor para a sua comunidade. Já Aaron cresceu com uma bagagem de símbolos heteronormativos sufocantes (a cidade pequena de valores retrógrados e os jogos de hóquei são apenas alguns exemplos) que o conduziram a uma vida comedida, refletida na sua opção de trabalho e relações interpessoais; nesse pacote de mesmices, o que se sobressai é o seu físico, cultuado muito também para olhos alheios, ao invés da expressão de um desejo individual.
Nesta miríade de diferenças, algo os tornou únicos e criou um laço que os dois são incapazes de ignorar. É neste jogo de forças que está contida a beleza da narrativa: ela sabe pontuar com inteligência e sagacidade as diferenças entre os relacionamentos héteros e gays ao mesmo tempo em que oferece um olhar carinhoso sobre o amor, reforçando a ideia do senso de completude que ele é capaz de proporcionar – ao lado da pessoa certa.
Não obstante, o roteiro de Billy Eichner e Nicholas Stoller aborda frontalmente a multiplicidade abarcada na sigla LGBTQIA+ através das infinitas discussões sobre o que um museu para essa comunidade deveria refletir. O ótimo elenco de apoio brilha nas hilárias sequências das reuniões, expondo de maneira ácida e, por vezes mesquinha (caso de Jim Rash) as suas preferências pessoais, sem perder de vista o impacto social de um projeto desse porte.
Nesta miríade de diferenças, algo os tornou únicos e criou um laço que os dois são capazes de ignorar. É essa a beleza deste filme: saber demonstrar com inteligência e sagacidade as diferenças entre os relacionamentos heteros e gays ao mesmo tempo em que oferece um olhar carinhoso sobre o amor, reforçando a ideia do senso de completude que ele é capaz de proporcionar – ao lado da pessoa certa.
É realmente um feito que o longa transite de maneira equilibrada entre essas duas dimensões. Enquanto comédia romântica, presta referências a clássicos do gênero como “Harry e Sally – Feitos um Para o Outro” e “Mensagem Para Você”, brinca com seus clichês (o passeio de mãos dadas na praia, um clímax que envolve uma corridinha desesperada por Nova York) e define algo novo, autêntico, além de extremamente engraçado.
A obra é ainda mais relevante enquanto marco histórico. Este é o primeiro filme do gênero apoiado por um grande estúdio e que conta com elenco majoritariamente LGBTQIA+. Sabendo dessa janela de oportunidade, Eichner e Stoller se devotaram a costurar uma subtrama que explora pequenos pedaços da história gay, tantas vezes preteridos, oferecendo tempo de tela a nomes importantes do movimento e questionando o invólucro hetero construído ao redor de personagens importantes dos EUA.
“Mais Que Amigos” cumpre muito bem a sua proposta, envolvendo a construção rica e detalhada do roteiro em uma sequência de piadas excelentes – de gags visuais a ótimas cutucadas na cultura pop – que engrandecem o filme e ajudam a revelar todo o talento de Billy Eichner. Ao final, só me resta lembrar que um filme dessa escala deve (e merece) ser assistido no cinema para ser validado em bilheteria e, assim, abrir caminhos para outras histórias LGBTQIA+, tão ricas e múltiplas quanto os indivíduos que a compõem.
Ficha Técnica
Ano: 2022
Duração: 1h 55 min
Gênero: comédia romântica
Direção: Nicholas Stoller
Elenco: Billy Eichner, Luke MacFarlane, Ts Madison, Miss Lawrence, Guy Branum, Jim Rash, Eve Lindley, Monica Raymond, Guillermo Diaz, Jai Rodriguez