Por Marina Lordelo
Ingmar Bergman foi um cineasta sueco preciosista quanto a forma de suas obras, que se tornaram clássicas e obrigatórias para qualquer cinéfilo interessado em apreciar um cinema de narrativa complexa e repleta de subjetividades. No ano de 1957 o realizador dedicou-se a duas das suas maiores obras-primas, “O Sétimo Selo” e “Morangos Silvestres”. Se for possível reunir os filmes do sueco em temas predominantes, neste dois últimos percebe-se a forte relação com a religião, a inexorabilidade do tempo, a solidão e a morte, que também interferem ativamente em narrativas outras de Bergman.
“Morangos Silvestres”, por sua vez, é uma obra que carrega desde o seu título a relação que o protagonista Isak Borg (Victor Sjöström) tem com o seu passado na casa de verão da família onde teve suas frustrações e onde construiu uma personalidade amarga. E para contar a história do professor, o realizador utiliza de um road movie, a metáfora ideal da travessia que desloca o personagem no espaço e motiva a sua revisita aos tempos diferentes de sua vida. Na companhia de sua nora Marianne (Ingrid Thullin), o idoso senhor resolve ir de carro até a cidade onde receberá o mais importante prêmio de sua carreira e a viagem, motivada por um pesadelo, é a alegoria que Isak precisa para entregar-se enfim a única e inevitável verdade existente.
Bergman foi um cineasta preocupado com a representação feminina de suas obras que tenta evidenciar o machismo institucionalizado. Assume, portanto, a essência do problema de forma deliberada e expõe a relação abusiva de um casal, ou a determinação dos termos do matrimônio pelo homem, inquestionavelmente importantes para a época. O cineasta permite escapar uma relação de dominância/subserviência masculino/feminina respectivamente que recheiam a complexidade narrativa – assume a mulher libertária, dona de suas escolhas e regras e constrói um protagonista que se fragiliza em sua masculinidade e cede a força da relação que estabelece com as mulheres de sua família.
A forma atribui ao preto e branco o uso criativo da luz, que em cenas surrealistas de pesadelos do protagonista alternam entre a superexposição ou a subexposição, criando uma vinheta escura em torno de seu rosto, para levar o espectador até o cerne mais intimista da solidão de Isak. A referência fotográfica que Gunnar Fischer adota em conjunto com Bergman é retirada do teatro considerando a importância da construção imbricada que há entre cinema e teatro, existencialismo e surrealismo.
E se em uma lógica simbólica é possível ser espectador do próprio passado, Isak também conduz a narrativa a partir de uma perspectiva familiar, entre revisitar sua mãe (de 96 anos) e enxergar-se nas decisões equivocadas do filho (de 48 anos), é na presença do presente que seu passado toma força e invade seu inconsciente. E é na premissa da incomunicabilidade que o diretor aponta o resultado da educação religiosa, rígida e pragmática, que distancia a família de sua construção afetiva – tal como a vida do próprio realizador, “Morangos Silvestres” soa como uma espécie de antecipação autobiográfica.
Pôster
Ficha Técnica
Ano: 1957
Duração: 95 min
Gênero: drama
Direção: Ingmar Bergman
Elenco: Victor Sjöström, Bibi Andersson, Ingrid Thulin
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