Por Luciana Ramos
Pouco a pouco, uma narrativa fílmica se tece. A cada cena, uma conexão de causa e consequência, uma luta entre desejo e restrições, engatinhando numa crescente até o clímax, quando idealmente o espectador recebe a recompensa de ter apostado naquela história, de ter se engajado emocionalmente. Um filme, assim como um castelo de cartas, é frágil, perigando desabar suntuosamente caso se demonstre aquém da sua intenção. É o caso de “Não se Preocupe, Querida”, segundo trabalho de Olivia Wilde na direção.
Este projeto começou com grandes expectativas, já que entrou para uma lista cobiçada de roteiros com grande potencial (a Blacklist, divulgada anualmente). Os direitos foram então comprados por Wilde e sua parceira criativa, Katie Silberman, que optaram por reescrevê-lo. As duas haviam acabado de coletar grandes elogios com a ótima comédia high school “Fora de Série” e, assim, garantiram um alto investimento da Warner. Foram mobilizados recursos não só em produção como também em equipe. Ao centro, após um burburinho em torno da escalação de Shia LeBouf, optou-se por dar o papel principal a Harry Styles, que busca agressivamente com seus empresários uma carreira como ator.
Montados, os ingredientes tinham tudo para dar certo, mas quase subitamente, pequenos indícios de desentendimento entre diretora e sua estrela, Florence Pugh, começaram a aflorar nas redes sociais. Os investigadores amadores leram nas entrelinhas mensagens ocultas, as fofocas ganharam escopo estratosférico e, em pouco tempo, criou-se uma névoa ao redor da produção tão grande que certamente servirá como case em Hollywood.
Nada desse burburinho é relevante para a análise crítica do filme, a não ser por duas observações. A primeira é que o desgaste em torno dessa grande narrativa construída e seus principais players é certamente sentido – sintoma dos tempos – e potencialmente afeta a imparcialidade da experiência de assistir ao longa. Seria o público facilmente distraído pela busca de sinais que confirmem ou não as suas prévias impressões? Em segundo lugar, e mais essencial para a conversa, é o fato de que a fragilidade da obra é muito aparente: arma-se um bom setup, usam-se clichês e, após uma combinação de metáforas visuais repetitivas e muitos diálogos expositivos, chega-se a um plot twist tão absurdo e ridículo que destrói a credibilidade da jornada de Alice (Florence Pugh) e Jack (Harry Styles).
A trama explora a dinâmica do casal em um subúrbio sessentista americano, onde os homens saem para trabalhar em movimento sincronizado enquanto suas esposas lavam, passam e criam seus filhos. Tudo parece lindo e harmônico, cheios de cores…até que, durante uma reunião na casa do líder dessa comunidade, Frank (Chris Pine), Margaret (KiKi Layne) tem um aparente surto. A partir daí, a rotina de Alice é continuamente interrompida por indesejadas visões em preto e branco, potencializadas por situações estranhas, como quebrar ovos vazios, ser esmagada entre paredes ou ter o impulso de enrolar um saco plástico na cabeça – traduções visuais das sensações de vazio e sufocamento. Ninguém naquele lugar acredita nela, mas a protagonista convence-se de que há algo de muito errado no Projeto Vitória e passa a buscar respostas, mesmo às custas de sua segurança pessoal.
Contando com primorosos trabalhos de direção de arte, figurino e trilha sonora, o filme consegue criar um clima intrigante, capitaneado pela dedicação absurda de Florence Pugh ao papel. Atuando em uma escala muito acima dos demais (principalmente do pífio Styles), ela convence o espectador até certo ponto, mas é incapaz de mitigar os buracos cumulativos do roteiro.
“Não se Preocupe, Querida” invariavelmente remete a inúmeros filmes, tanto os ótimos “O Show de Truman” e “O Congresso Futurista” quanto os medíocres “Suburbicon” e “As Esposas de Stepford”, sempre em patamar de inferioridade. Lembra, em ambição, as bem embaladas críticas sociais de Jordan Peele, mas não consegue evitar o tom genérico. Nem mesmo a homenagem à coreografia caleidoscópica de Busby Berkeley é bem-feita. Faltam ao filme camadas de interpretação social, arcabouço lógico, riqueza temática e, até mesmo, astúcia. Com exceção de Pugh, não há nada que torne a experiência de assisti-lo valer a pena. Nem mesmo (ou especialmente) as polêmicas ao seu redor.
Ficha Técnica
Ano: 2022
Duração: 2h 02 min
Gênero: drama, mistério, suspense
Direção: Olivia Wilde
Elenco: Florence Pugh, Harry Styles, Chris Pine, Olivia Wilde, Emma Chan, KiKi Layne