Por Marina Lordelo
Woody Allen é um diretor estadunidense, nascido em Nova York (EUA), músico de Jazz que tenta incluir na maioria de suas obras cinematográficas a cidade natal e uma trilha sonora ambientada no respectivo estilo musical. Neste contexto, o Jazz assume a função de uma espécie de “personagem”, que marca o ritmo e conduz a narrativa de seus filmes. Em “Annie Hall” (Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, 1977), sua mais premiada obra, Allen subverte seu padrão e economiza na escolha da música (e da canção), utilizando apenas seis músicas e, destas, apenas duas são canções.
“Na comédia, acho que a música é realmente uma grande ajuda. Dá para fazer um filme dramático e não usar nenhuma música e mesmo assim funcionar. Não é tão fácil fazer isso na comédia. Eu fiz uma vez, em Annie Hall, mas é melhor usar música. E as vezes eu usei toneladas de músicas. Faz parte do prazer de um certo tipo de filme que você dirige a plateia. O público recebe não só as cenas de comédia e as cenas românticas, mas as que são marcadas pela música. Como disse Noel Coward: Incrível como é potente a música rasa” (ALLEN apud LAX, 2009).
Segundo Lax (2008) na referida compilação de entrevistas com o diretor, o mesmo afirma que, na oportunidade (1976), estava sobre fortes influências de Ingmar Bergman “Naquela época eu estava muito interessado na obra do Bergman, e o Bergman nunca usa música; eu senti que ele devia saber alguma coisa”. Fazendo uma afirmação genérica, pois, o diretor sueco utiliza sim (ainda que de forma muito comedida) a música em algumas de suas películas.
As duas canções utilizadas na obra estão vinculadas a performances da protagonista Annie (Diane Keaton), e são trabalhadas em distintos momentos da obra, It Had to be You (1924, música de Isham Jones, letra de Gus Kahn) e Seems Like Old Times (1945, música de Carmen Lombardo, letra de John Jacob Loeb).
It Had To Be You (1924)
It had to be you, it had to be you
I wandered around and finally found, that somebody who
Could make me be true
Could make me feel blue
And even be glad just to be sad, thinking of you
Some others I’ve seen
Might never be mean
Might never be cross, or try to be boss
But they wouldn’t do
For nobody else gave me a thrill
With all your faults, I love you still
It had to be you, wonderful you
It had to be you
Some others I’ve seen
Might never be mean
Might never be cross, or try to be boss
But they wouldn’t do
For nobody else gave me a thrill
With all your faults, I love you still
It had to be you, wonderful you
It had to be you
Seems Like Old Times (1945)
Seems like old times
Having you to walk with
Seems like old times
Having you to talk with
And it’s still a thrill
Just to have my arms around you
Still the thrill that it was
The day I found you
Seems like old times
Dinner dates and flowers
Just like old times
Staying up for hours
Making dreams come true
Doing things we used to do
Seems like old times
Being here with you
Estrutura
- Primeiro Ato
Quando a primeira canção é apresentada (It Had to be You) no primeiro ato do filme, Annie e Alvy (Allen) acabaram de se conhecer, e esta seria a sua primeira performance musical na boate. A personagem, insegura de sua atuação musical e também do seu relacionamento ainda precoce, é devidamente representada pela letra da canção (que assume o início de uma paixão) e pela forma estética que o diretor apresenta a sequência.
- Segundo Ato
No segundo ato, Annie já passa por um amadurecimento em diferentes aspectos, tanto musical quanto na retomada de seu relacionamento com Alvy. O diretor escolhe então apresentar a canção em um formato próximo ao anterior, mas com uma variação significativa na forma, que permite uma reinterpretação da sequência em questão.
- Terceiro ato
No fim do terceiro ato, Allen escolhe reproduzir novamente Seems Like Old Times, uma espécie de fechamento explicativo da fábula, enquanto quebra a quarta parede e assume uma voz over, em narração ativa e literal do que está sendo cantado pela protagonista. Já nesta versão da música, assume-se o ponto de vista de Alvy e não mais de Annie.
Nesta sequência, os pontos mais importantes de serem observados são:
- A Música é não-diegética (os personagens não podem escutá-lo)
- A personagem fala “I Love You” – e a letra da música começa a ser cantada;
- “Eu encontrei com Annie novamente” – Inicia o Voz Over (V.O.) e o som da música aumenta, dando destaque a letra;
- Nós almoçamos, como “fazíamos antigamente” – Música protagoniza e torna-se literal, Alvy se cala;
- Cena da partida de tênis é narrada pela letra: “The Day I found You”;
- Retorno do V.O. em reforço da letra da música que confirma o fim trágico;
- O diretor utiliza um superenquadramento semelhante a performance de “It Had To Be You” para evidenciar o afastamento do casal (observe na figura a seguir!);
- Por fim, a piada de Alvy em V.O. termina com o último acorde da canção.