Por Melissa Vassali
Mesmo quando uma obra se volta para o passado, ela também revela muito sobre o tempo em que foi produzida. “O Mau Exemplo de Cameron Post”, filme estrelado por Chloë Grace Moretz (“Kick‑Ass ‑ Quebrando Tudo”), retorna ao início da década de 1990 para contar a história de uma estudante forçada a entrar em uma terapia de conversão homossexual após ser flagrada com uma colega de escola.
O filme traz à tona uma questão que já deveria ter sido superada, mas infelizmente ainda é bastante atual, e dialoga também com a realidade brasileira. Basta lembrar que há poucos anos discutimos aqui a votação de um projeto conhecido como “cura gay”, que pretendia dar a psicólogos liberdade para tratar a homossexualidade como doença, sob alegação de que pessoas insatisfeitas com sua orientação sexual poderiam tentar revertê-la – e um dos maiores problemas desse projeto é que ele abriria precedentes para que menores de idade fossem forçados a esse tipo de tratamento, por exemplo.
É o que acontece com Cameron, personagem de Moretz, que é levada para uma comunidade cristã, onde será submetida à terapia, e conhece outros jovens na mesma situação. Se substituíssemos as cartas e telefones de gancho do filme por celulares e mensagens de whatsapp, a narrativa ainda seria crível.
É incômodo que, em vários momentos, os personagens não questionem os abusos aos quais são submetidos. Por isso, um ponto fundamental para compreender o filme, caso você seja um adulto, é fazer o exercício de se colocar no lugar de um adolescente que está em formação, já que é pelo ponto de vista deles que a narrativa é desenvolvida. Abandonados por seus familiares e manipulados por terapeutas que tentam impor sua visão de mundo, os jovens passam a acreditar que de fato existe alguma coisa errada com eles.
Assim, mesmo que nosso desejo seja vê-los reagindo de imediato, os personagens primeiro se comprometem com o tratamento, e o filme segue um ritmo lento, mas coerente com um processo de assimilação e amadurecimento que demora a acontecer. E chama a atenção que, mesmo com suas diferenças e os conflitos que daí surgem, os jovens não se tornam inimigos. Percebendo a opressão que recebem, criam uma rede de apoio entre si, a única possível neste contexto.
“O mau exemplo de Cameron Post” é um filme que trabalha com a introspecção. Desejos reprimidos são colocados em cena através de memórias ou de sonhos. Os planos, sempre próximos, denotam a sensação de aprisionamento e a falta de perspectiva de sair daquele lugar. Em uma cena muito significativa, Cameron, embaixo de uma mesa, liga para sua tia e pede para ir embora. Esse ato não representa apenas a necessidade de se esconder, já que a ligação era proibida; mostra também o quanto ela se sente aprisionada ali.
Há também algumas passagens cômicas, que não quebram o tom dramático do filme, mas são usadas como recurso narrativo para mostrar o absurdo da situação em que os personagens vivem e a imagem distorcida que criaram de si mesmos.
Sensível e necessário, “O mau exemplo de Cameron Post” reflete o bom trabalho da diretora Desirée Akhavan, que acerta também na resolução. Marcados para sempre pelo trauma que viveram, Akhavan deixa, pelo menos para alguns dos personagens, um final em aberto, que apesar de melancólico e incerto parece mais justo do que limitá-los dentro de qualquer outra história.
Ficha Técnica
Ano: 2018
Duração: 96 min
Gênero: drama
Diretor: Desiree Akhavan
Elenco: Chloë Grace Moretz, Steven Hauck, Sasha Lane, Quinn Shephard
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