Por Luciana Ramos
Arthur Dreyfus (Fabrice Luchini) é um pesquisador de meia-idade conhecido pela rigidez com os alunos e a própria filha, o que inevitavelmente cria uma barreira social intransponível, a não ser pelo amigo de infância César Montesiho (Patrick Buel), seu extremo oposto em termos de personalidade. A imagem de bon vivant deste é sedimentada nas cenas iniciais, quando ele não se deixa abalar pelo confisco da Receita Federal francesa – de fato, já acostumado com esse tipo de intercorrência, só se desespera ao ver seu carro partir, o que o leva a uma queda (literal, não bastasse a moral) terrível.
Sentindo fortes dores nas costas e sem ter para onde ir, visto que nem seu apartamento lhe restou, César bate na porta de Arthur para obter ajuda. No hospital, não deixa de cometer uma pequena fraude e usar o cartão de seguro do amigo para impedir mais gastos. Tudo parece resolvido, até que, no dia seguinte, o pesquisador recebe a notícia de que os exames da noite anterior revelam um câncer de pulmão terminal nos “seus” exames.
É neste ponto que “O Melhor Está Por Vir” apresenta a base de sua premissa, a confusão que guiará a história: para os médicos e, posteriormente, a ex-mulher e a filha, é Arthur que está fatalmente doente; ele, no entanto, sabe tratar-se de César e tenta lhe contar a verdade, mas é impedido pela felicidade do amigo em descobrir que será pai (algo que cai por terra depois) e potencializado pela sua incapacidade de falar qualquer coisa aberta e logicamente: perdido de gaguejo e meias-explicações, ele não consegue esclarecer o fato, por mais que tente.
A ideia de perder o único amigo verdadeiro que tem leva César a armar um plano libertador para Arthur: primeiro, provocando a sua suspensão do trabalho (artificio conveniente para liberação dos personagens para aventuras); em segundo lugar, concedendo-lhe experiências positivas e transformadoras que seguem sua concepção niilista de diversão e, assim, repelem qualquer sugestão intelectual e “chata” do companheiro certinho.
Sem deixar de abordar as inúmeras diferenças entre os dois homens, o filme enaltece em diversos momentos a solidez desta curiosa amizade ao enaltecer a característica em comum que possuem: a lealdade. Ambos mostram-se dispostos a largarem tudo um pelo outro, a buscarem curas em lugares longínquos e pequenos divertimentos a apenas alguns quilômetros de distância, a se recuperarem dos planos fracassados com conversa e bebida e se permitirem serem crianças novamente sabendo que estão em um ambiente seguro e isento de julgamentos.
É nítida a diferença da interação de Arthur com César e com sua ex-mulher, a quem falta paciência e habilidade de escutar; igualmente fundamental é a influência do amigo no seu comportamento com a filha Julie (Marie Narbonne), que evolui a passos largos ao decorrer do filme. Não obstante, a relação que desenvolve com Randa (Zineb Triki) lhe relembra a potência de um diálogo acolhedor e carinhoso, algo tão simples, mas subjugado por ele por ter perdido esta capacidade de entendimento com sua ex-mulher, Virginie (Pascale Arbillot). Assim, solidifica-se a argumentação de que a vida que deveria ser mudada e, portanto, vivida em sua plenitude é a de Arthur e não a do seu amigo terminal. A lição é aos poucos apreendida por ele, em meio a um misto de sofrimento e angústia pelo peso da mentira que carrega e, invariavelmente, à gratidão de ter César tão perto nos seus momentos finais.
As sequências engraçadas e edificantes conferem um senso de propósito à obra que supera ou, pelo menos, ajuda a minimizar os percalços do roteiro. É nítida a falta de preocupação com algumas amarrações narrativas – a exemplo da apresentação e posterior descarte da subtrama do filho de César – que, quando somadas, concedem uma sensação de conveniência difícil de ser ignorada. Não se trata, portanto, de uma história bem estruturada e justificada, elementos essenciais para a fluidez da imersão, mas sim uma experiência mais brusca, facilmente distraída pelos deslizes do roteiro mas, ainda assim, eficiente, muito por conta do carisma e talento de Fabrice Luchini e Patrick Buel, que conseguem imprimir credibilidade aos seus papéis.
Longe de ser excelente, o trunfo de “O Melhor Está Por Vir” está na pureza da relação de dois amigos à primeira vista estritamente diferentes, mas que revelam, por meio da lealdade incondicional, o verdadeiro sentido da amizade.
Ficha Técnica
Ano: 2020
Duração: 117 min
Gênero: comédia, drama
Direção: Mathieu Delaporte, Alexandre de La Patellière
Elenco: Patrick Buel, Fabrice Luchini, Zineb Triki