Por Luciana Ramos
Em 1964, crianças de todo o mundo se encantaram com a babá londrina que, com as doses certas de magia e rigidez, ensinou à família Banks sobre o amor e as alegrias do mundo infantil, imaginativo e fantasioso. Imbuído na pretensão de levar a sua marca para outro patamar, Walt Disney supervisionou o projeto de adaptação dos famosos livros de P.L. Travers para as telonas, para o desgosto da autora. Ao final, a sua visão prevaleceu e o cinema ganhou mais um marco – uma obra superlativa em todos os sentidos.
O seu impacto perdurou as décadas seguintes e, ao contrário de outras marcas da empresa, foi eximida de derivações genéricas e exaustivas. Recentemente, no entanto, a Disney voltou a olhar os seus ativos com ares de lobo, se lançando à missão de readaptar suas obras de maiores sucessos, atualizando-as para um novo público. “Mary Poppins” não seria exceção.
Felizmente, nota-se nesta sequência, o zelo pelos elementos cativos da obra, que são potencializados tanto pelo aprofundamento narrativo quanto pelo uso de tecnologias de ponta. Assim, ao invés do desapontamento comum a este tipo de experiência, os fãs da charmosa babá deparam-se com o puro deslumbre.
“O Retorno de Mary Poppins” atua na zona de conforto, trabalhando não só com os mesmos personagens (ou equivalentes), como incluindo objetos de cena icônicos com a pura intenção de acionar o gatilho da nostalgia. O molde narrativo é mantido, algo notado claramente nas sequências musicais. Estas são maiores e mais elaboradas, mas trabalham na chave do reconhecimento fácil: em uma passagem, os atores embarcam no mundo animado, onde interagem com animais falantes; em outras, os trabalhadores da cidade dançam animadamente após um longo dia.
A opção de explorar o terreno fértil do primeiro filme, ao contrário do que possa parecer, não causa fadiga, servindo apenas para relembrar o que torna “Mary Poppins” tão encantador. Além de reestabelecer um vínculo emocional com os espectadores que cresceram ao som de “Super‐cali‐fragil‐istic‐expi‐ali‐docious”, encanta os pequenos pelo visual maravilhosamente colorido e, ademais, permite a construção de uma narrativa mais rica, multifacetada.
Michael Banks (Ben Whishaw) tornou-se um homem bondoso, que claramente valoriza os seus filhos. Ao mesmo tempo, encontra-se totalmente perdido: sua esposa faleceu há um ano e, desde então, as coisas têm piorado. Recentemente, recebeu um aviso de despejo e ele não consegue encontrar o único documento que pode salvar sua família.
Jane (Emily Mortimer), sua irmã, é amável com todos ao redor, porém firme nas suas convicções, algo que herdou da mãe. A sua ajuda na busca, embora infrutífera, traz um pequeno raio de alegria ao seu irmão, tão desesperançoso. Nesta dinâmica, sobra para as crianças os afazeres do dia-a-dia, um peso que tentam carregar de forma racional e objetiva, comportamento que as levam a esquecer o que é ser criança.
Mary Poppins (Emily Blunt) aparece repentinamente, anunciando que, uma vez concluída a missão, ela vai embora. Esta, no entanto, não fica tão clara para Georgie (Joel Dawson), Anabel (Pixie Davis) e John (Nathanael Saleh) no primeiro momento, mas, um a um, os Banks se rendem aos encantos do universo que ela os apresenta. As aventuras ao seu lado são diversas e emocionantes, mas a sua própria personalidade já é um belo atrativo: alternando carinho com broncas sisudas, ela os ensina a enfrentar a dor da perda e as adversidades, mostrando-os uma maneira mais positiva de se viver.
As músicas têm papel fundamental neste processo, já que as mensagens edificantes são apresentadas pelas letras. Estas são compostas por Lin-Manuel Miranda, prodígio musical americano que vêm ganhando espaço na indústria. No filme, ele também atua como Jack, um “lume” (acendedor de lampiões) sempre disposto a se divertir ao lado de Mary e das crianças.
O longa se beneficia do seu talento e carisma, mas, obviamente, é carregado pela atuação de Emily Blunt, fator determinante para o sucesso da produção. Não só ela consegue encarnar perfeitamente os trejeitos de Julie Andrews, como o faz com naturalidade. Uma das melhores atrizes da sua geração, ela sabe pontuar muito todos os diálogos, exprimindo o que há de melhor em cada um deles.
As atuações de todo o elenco são valorizadas pela câmera volante de Rob Marshall, que utiliza sua experiência no gênero (tendo dirigido “Chicago”) para oferecer multiplicidade de planos, que se sucedem de forma fluida, intensificando a imersão na história. O cuidado estético se traduz na cenografia, que incorpora a sombra como um elemento forte na reconstrução de Londres na época da Grande Depressão. Em contraste, Mary Poppins traja vestes coloridas, destacando-se. À medida em que aqueles ao seu redor redescobrem a alegria, também ganham figurinos mais chamativos.
Menos infantil do que o original, o roteiro da sequência não anula os problemas da família Banks: eles são reais e perigosos, sempre os rondando. O ensinamento proposto neste filme é saber lidar com eles da melhor forma, de maneira honrada, sempre levando em conta o que é mais importante: a família.
As duas horas de projeção de “O Retorno de Mary Poppins” são um deleite. O universo da babá encanta os olhos e aquece o coração, mostrando que filmes pautados em bondade e sentimentos edificantes, embora raros hoje em dia, são cada vez mais necessários. De quebra, experimenta-se ainda a alegria de ver uma pequena participação de Dick Van Dyke que, aos 93 anos, sobe em uma mesa para executar pequenos passos de sapateado. Simplesmente encantador.
Ficha Técnica
Ano: 2018
Duração: 130 min
Gênero: Comédia, Família, Fantasia
Diretor: Rob Marshall
Elenco: Emily Blunt, Lin-Manuel Miranda, Ben Whishaw, Emily Mortimer, Meryl Streep, Colin Firth
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