Por Bruno Tavares
Ingmar Bergman foi um grande dramaturgo e um dos maiores cineastas que o mundo já viu. Sua obra atesta tamanha competência: ao todo, o sueco comandou 126 peças e 52 filmes. Vários de seus títulos cinematográficos constam entre os melhores de todos os tempos. “Gritos e Sussurros”, “Persona”, “Cenas de um Casamento”, “Fanny e Alexander” e “O Sétimo Selo” são apenas alguns que compõem uma grande obra construída por ele.
Com suas tramas focadas no estado psicológico dos personagens, geralmente vindos de famílias desestruturadas, Bergman enfatizava a falta de fé e a desesperança no mundo. Em partes, essa característica era acentuada pelo próprio ateísmo do diretor, que não acreditava na existência de um Deus, mas sim na divindade interior que cada pessoa carregava dentro de si. Cheio de obsessões, ele costumava expurga-las por meio de suas películas, abordando determinados temas à exaustão. Um dos assuntos que o encantava e assustava ao mesmo tempo era a morte, trabalhada em “O Sétimo Selo”.
No longa acompanhamos a história de Antonius Block (Max Von Sydow), um cavaleiro cruzado que retorna da guerra e encontra um país devastado pela peste. Logo ao chegar, ele passa por um encontro singular numa praia: a própria Morte (Bengt Ekerot) vem saudar-lhe e faz seu chamado final. Entretanto, Antonius propõem um jogo de xadrez com a dama negra. O intuito do embate não é fugir do seu destino, mas, caso saísse vencedor, conseguir um pouco mais de tempo para postergar o inevitável. Ao longo da trama, acompanhamos a viagem que o Block faz com seu escudeiro, Jöns (Gunnar Björnstrand), pelo interior de sua terra. Nessa jornada, ele se depara com a fome, o fanatismo e o atraso que assolam a população. Em busca de uma resposta divina que explique os motivos de tanto sofrimento, o cavaleiro gradativamente se abandona nos braços da desilusão.
Com um texto profundo, o diretor cria um roteiro repleto de simbolismos relacionados ao fim da vida. Todos os plots de alguma maneira remetem a este tema e, mesmo quando os personagens não estão falando sobre isso, existe algum elemento no mise-en-scène que nos lembre do assunto. Esses detalhes sinistros ganham intensidade por conhecermos a Morte desde o início. Diferente do esperado, Bergman a retrata como um tipo de monge e nos apresenta um ser macabro que assombra por seu visual lúgubre e fria racionalidade. Em cada momento que a Morte aparece, o espectador fica tenso seja por repulsa, seja por suas palavras afiadas que cortam as crenças de Antonius como se fossem feitas de manteiga. Curiosamente, tal entidade é mais aceitável que a fé cega da Igreja, retratada como intransigente, retrógrada e distribuidora de falsas promessas.
Dono de um senso estético apurado, em “O Sétimo Selo” o diretor sueco presenteia o público com cenas de beleza visual e metafórica. A mais emblemática de certo é a sequência da confissão. Descrente da situação em que se encontrava, o cavaleiro chega a uma capela e busca uma resposta de Deus para tamanho sofrimento. Ao ver um vulto encapuzado, ele se ajoelha e começa a se confessar, revelando ao público questionamentos sobre a existência do divino. Grande é a sua surpresa quando descobre que os pecados foram contados não para um padre, mas sim para a Morte. O momento ganha profundidade graças à montagem primorosa que alterna enquadramentos de um dolorido Cristo crucificado com outros da Morte quase sorridente. Também se destaca a cena da procissão, com seus cânticos lamuriosos e flagelados em agonia. Aqui temos mais um exemplo da crença escravizante, que obriga seus fiéis a realizarem atos desesperados em busca de uma pureza irreal.
Em seu processo criativo, Ingmar usava métodos para motivar os atores afim de que eles entregassem o seu melhor no final das gravações. Segundo ele, as atuações derradeiras precisavam ser sempre mais convincentes para manter a atenção do público, que já estaria cansado de esperar tanto tempo no cinema pela resolução daquela história. Isso se traduz plenamente nos últimos minutos do filme em questão. Quando Antonius finalmente encontra sua saudosa esposa, a Morte bate à porta e adentra o recinto. Não há mais escapatória. Diante dessa situação catártica, enquanto os demais personagens aceitam passivamente o fim, Block se entrega à uma oração desesperada em busca de uma resposta divina que, no melhor estilo bergmaniano, não vem.
Escrito, produzido e dirigido com maestria, O Sétimo Selo é, ao lado de “Morangos Silvestres”, um dos pilares que elevaram Bergman ao status de mito. Sempre muito apaixonado pela sétima arte, o sueco acreditava que para exercer o papel de diretor era preciso uma sensibilidade elevada, mãos firmes e ferramentas afiadas. Seu maior desejo era tocar as emoções das pessoas e, sem sombra de dúvidas, por meio de um primoroso trabalho, ele foi capaz disso e muito mais. Sua obra nos faz refletir sobre a vida e todas as questões morais e éticas envolvidas nela. Por tamanho presente, o público não poderia lhe ser mais grato.
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Ficha Técnica:
Ano: 1957
Duração: 96 min
Gênero: Drama, Fantasia
Diretor: Ingmar Bergman
Elenco: Gunnar Björnstrand, Bengt Ekerot, Max Von Sydow, Gunnel Lindblom, Nils Poppe, Bibi Andersson, Inga Gill e Inga Landgré
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