Por Luciana Ramos
Quanto impacto tem a figura paterna na constituição da personalidade dos filhos? Quanto da sua vida adulta é reflexo dos ensinamentos e vivências infantis? Por meio de Jake (Russell Crowe) e sua filha Katie (Kylie Rogers), ou “batatinha”, como ele a chama, presenciamos o desenrolar dessa discussão em uma trama que aposta na força da conexão emocional de seus personagens para emocionar o público.
Na década de 80, após um acidente de carro que tira a vida da esposa, Jake começa a apresentar sintomas extremos do transtorno bipolar, sendo forçado a procurar tratamento psiquiátrico, o que na época envolvia eletrochoque. Com isso, tem que deixar a filha pequena Kate sob os cuidados da cunhada Elizabeth (Diane Kruger) e seu marido rico William (Bruce Greenwood).
Passados sete meses, ele retorna para deparar-se com uma desagradável surpresa: o casal revela o desejo de adotar a garota, enfatizando a pouca habilidade de Jake em prover para ela. Desesperado, ele tenta a um alto custo pessoal provar seu valor como pai, mas a pressão psicológica desencadeia novamente sintomas de um possível colapso nervoso. Jake tenta resistir, ao mesmo tempo em que tenta escrever um livro para conseguir pagar os honorários de advogados e ainda proporcionar à filha uma rotina sadia e feliz.
Intercalado ao desenrolar desses eventos, acompanhamos Kate adulta (Amanda Seyfried), vinte e cinco anos depois. Trabalhando como assistente social, identifica suas vivências no recente trauma de Lucy (Quvenzhané Wallis), o que a faz reavaliar seu passado. Esse processo é enaltecido pelo relacionamento oscilante que desencadeia com Cameron (Aaron Paul). Ainda que deseje engatar em algo mais sério, parece incapaz de conectar-se profundamente com outra pessoa, fruto da interação saudável, porém intensa com a sua figura paterna e a sucessão de eventos vivenciados enquanto criança.
Tal escolha de abordagem, que se propõe a interligar numa relação causal as relações mais próximas no período da primeira infância, de formação da identidade, às condutas (especialmente as nocivas) na fase adulta é bastante interessante, porém mal executada. Além da insistente tentativa de arrancar lágrimas do espectador, transposta em cenas forçadas e que abusam de clichês, há o excesso de didatismo dos diálogos.
Um exemplo claro se dá em uma cena onde Katie está em um bar e ouve a música que costumava cantar com o pai. Ela começa a chorar. Não obstante, logo depois, passa a explicar em voz alta o que está sentindo e justifica sua ação num movimento absolutamente redundante. O artifício revela a falta de confiança do roteiro na capacidade dos atores em expressarem as emoções visualmente, sem necessidade de reforços. Outras cenas seguem a mesma linha e a trama, ao invés de tecer uma abordagem aprofundada do tema, opta por resoluções fáceis, que enfraquecem o filme como um todo.
Porém, o maior problema consiste no desnível entre as histórias contadas nas duas épocas: ainda que a adulta Katie seja multifacetada, sua jornada fica muito aquém à retratada na década de 80, enquanto criança. Mesmo com passagens melosas, as cenas envolvendo pai e filha são amplamente cativantes pela veracidade com que passam a afetuosidade entre eles.
Tal dinâmica só é possível pelo talento dos seus atores: ao passo que a pequena Kylie Rogers mostra-se verdadeira e capaz de exprimir diversas emoções com o olhar, é o talento de Russell Crowe que segura o elo emocional. Completamente entregue ao papel, ele explora fisicamente os sentimentos experimentados pelo personagem em uma performance incrível. Em contraponto, os eventos atuais sofrem pela excessiva previsibilidade, que dilui os esforços de Seyfried e Aaron Paul em passagens mal aproveitadas.Nomes de peso somam-se ao elenco de apoio, incluindo as candidatas ao Oscar Jane Fonda, Octavia Spencer e Quvenzhané Wallis, cujos talentos adicionam peso dramático ao longa.
Ciente do tom excessivamente emocional do longa, o diretor Gabriele Muccino (de À Procura da Felicidade”) optou por suavizar os eventos com simplicidade estética, atendo-se a poucas movimentações de câmera e uso constante de close ups para extrair o melhor dos seus atores.
“Pais e Filhas” propõe-se a uma discussão interessante, mas perde-se em sua complexidade e opta por saídas narrativas fáceis pela inabilidade de lidar com os caminhos abertos. Ainda que proporcione alguns momentos emocionantes que enaltecem o amor entre um pai e sua filha, peca pela falta de refinamento narrativo.
Ficha técnica
Ano: 2015
Duração: 116 min
Nacionalidade: EUA
Gênero: drama
Elenco: Russell Crowe, Amanda Seyfried, Aaron Paul, Diane Kruger
Diretor: Gabriele Muccino
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