Por Luciana Ramos

 

Em seu novo projeto, Alexander Payne troca o realismo característico de seus filmes (como “Nebraska” e “Sideways – Entre Umas e Outras) para atirar-se nas possibilidades da imaginação com a criação de uma realidade distópica que sugere o encolhimento como solução das questões humanas. Segundo o prometido pelos cientistas que desenvolveram a tecnologia, só há vantagens em ver-se reduzido a 12cm: são expressivamente menores os gastos com energia, insumos e, consequentemente, produção de lixo. Assim, o meio ambiente sofre menos impactos com intervenções humanas e, de quebra, resolve-se o problema da superpopulação.

 

Apesar da fundamentação ambientalista, o maior atrativo à cirurgia irreversível é a mudança radical do estilo de vida: pessoas de classe média, com poucas economias, tem esse dinheiro convertido proporcionalmente e, assim, tornam-se milionários da noite para o dia, aproveitando o resto dos anos dedicando-se ao aperfeiçoamento de hobbies.

 

A trama evolui a partir da decisão de Paul (Matt Damon) e Audrey (Kristen Wiig) em mudar-se para Lazerlândia. De forma dinâmica e bem-humorada, lhes são apresentadas as funcionalidades da cidade em miniatura, os pormenores do procedimento médico e possibilidades de experiências exclusivas. Escolhas visuais como a construção de caixas transparentes em que os homens e mulheres pequenos são transportados (com a ajuda de alguém ainda em tamanho regular) são muito bem concebidas, aguçando a curiosidade para conhecer mais do mundo imaginado por Payne.

 

 

O requinte estético, no entanto, não é capaz de esconder a fragilidade com que o roteiro é construído. Se fica clara a intenção do diretor em tecer uma crítica social a partir da vivência de Paul, também é evidente a falta de fundamentação da sua jornada: a ampliação de sua visão ocorre somente depois de um divórcio, fruto de uma indecisão nunca realmente explicitada por Audrey. Caso não ocorresse, supõe-se que o personagem permaneceria feliz, alheio ao mundo ao redor.  No entanto, o término do relacionamento o obriga a viver em uma condição muito diferente da almejada, em um pequeno apartamento, posicionado abaixo do festeiro Dusan (Christoph Waltz) – outro fato levemente incoerente.

 

Este envolvimento, por sua vez, o faz conhecer Ngoc Lan Tran (Hong Chau), que impulsiona a sua transformação. O ativismo da vietnamita, que confunde seus conhecimentos de terapeuta ocupacional com os de um médico, leva Paul a compreender a engrenagem na qual Lazerlândia é verdadeiramente erguida. A exposição da invisibilidade dos cidadãos que, ao realizarem serviços manuais, mantém a aura de “paraíso do lazer” para os mais ricos, deveria funcionar como gatilho de reflexão, mas a sucessão de clichês do roteiro torna essa pretensão inalcançável.

 

 

Alguns elementos contribuem para a derrocada narrativa, sendo o primeiro e mais importante o tratamento estereotipado da periferia, que é curiosamente só povoada por latinos, asiáticos e outras minorias (na concepção de mundo de americanos brancos). A visão limitada estende-se ao delineamento de Ngoc Lan Tran em linhas caricaturais, refletida pela incapacidade em construir frases completas em inglês e incurável inocência que, juntas, beiram o mau gosto. Diante do material, é notável a humanidade com que a atriz Long Chau a constrói, um sinal do seu talento pessoal, ainda mais exaltado quanto contraposto a atuação plana e desinteressada de Matt Damon no papel principal.

 

Transitando entre diferentes possibilidades temáticas sem aprofundar-se em nenhuma, a história avança aos solavancos rumo a um final que retoma a questão ambiental, dessa vez encorpada em um tom catastrófico. Porém, sem a fundamentação narrativa correta, não há antecipação emocional para o clímax. Sustentando-se apenas na competência imagética, “Pequena Grande Vida” ruma ao ostracismo, terra de muitos filmes que não souberam explorar suas potencialidades.

 

Pôster

 

 

 

Ficha Técnica

Ano: 2018

Duração: 135 min

Gênero: comédia, drama, ficção científica

Diretor: Alexander Payne

Elenco: Matt Damon, Hong Chau, Christoph Waltz, Kristen Wiig

 

Trailer:

 

 

Imagens:

 

Avaliação do Filme

Veja Também:

As Polacas

Por Luciana Ramos Se tem uma coisa que 2024 mostrou aos brasileiros é que o cinema é uma matéria pulsante...

LEIA MAIS

Estômago II - O Poderoso Chef

Por Luciana Ramos   Alguns ingredientes foram determinantes para o sucesso de “Estômago” (2008), um filme de baixo orçamento que...

LEIA MAIS

O Dublê

Por Luciana Ramos   Colt Seavers (Ryan Gosling) é um dublê experiente, que se arrisca nas mais diversas manobras –...

LEIA MAIS