Por Luciana Ramos
Diante da pasteurização, que nivela o cinema a fórmulas fáceis, surge vez ou outra um filme que resgata o que a arte tem de melhor. É o caso de “Perdidos em Paris”, que busca na comédia corporal, tão típica do cinema mudo, a ferramenta para fazer comédia. As influências cinematográficas de Charles Chaplin e Buster Keaton são notadas em sequências como a que Martha (Emmanuelle Riva) e seu amigo Norman (Pierre Richard) realizam uma pequena dança com os pés, ou em que Fiona (Fiona Gordon) e Dom (Dominique Abel) abusam dos seus corpos para exprimir o desejo que sentem.
A construção dessa linguagem é, por si só, bastante teatral, conferindo um tom lúdico à produção. O charme derivado da movimentação dos atores – como a cena inicial, em que os personagens acompanham o sentido do vento ou a magistral movimentação de um tango – servem como uma linguagem complementar a ação, em que o corpo é a expressão máxima. Como resultado, há a exploração bastante inteligente dessa ferramenta na construção do humor.
O humor também se constrói pela quebra de expectativas decorrente de uma sucessão de erros que pontuam a jornada de Fiona em Paris. Bibliotecária de uma pacata aldeia no Canadá, ela recebe uma carta com um apelo da querida tia Martha, em que discorre sobre a pressão que sofre para ir morar em um asilo. Esta pede que a sobrinha interceda a seu favor, afinal, tem apenas 88 anos. Fiona prontamente segue até a capital francesa mas, ao chegar no destino, descobre que a tia está desaparecida. Incidentes catastróficos a põe em contato com o mendigo Dom, que insiste em segui-la e ajudá-la na missão.
A trama se desenvolve narrando a jornada desses três personagens perdidos nas ruas de Paris. Com sagacidade, conecta os fatos através da apresentação de novas informações ou perspectivas em cenas já apresentadas, revelando extremo controle do roteiro.
Dessa forma, o que seria uma história simples atinge outras camadas de apreciação dados o charme e beleza das criações de Abel e Gordon, que assinam o roteiro. Eles revelam ter a incrível habilidade de achar humor nos momentos mais tocantes e poesia nas passagens mais banais.
Nota-se da mesma forma um trabalho consciente de ritmo: o humor é usado para avançar a narrativa e a duração de cada gag oscila de acordo com a necessidade da cena. Dessa forma, Abel e Gordon, que também assumem a direção, trabalham a concisão como forma de não cansar o espectador, deixando-o ansiando por mais ao final da projeção.
Não obstante, eles destacam-se no campo da atuação. Extremamente talentosos, complementam o já citado trabalho corporal com expressões faciais cômicas, oferecendo um bem-vindo traço bonachão aos seus personagens. Já Emmanuelle Riva, tão conhecida por papeis dramáticos, revela uma aguçada veia cômica. Em sua última colaboração no cinema, ela preenche o filme com todo o seu carisma.
“Perdidos em Paris” surpreende pela qualidade narrativa e técnica. Usando todo o potencial artístico dos seus personagens, oferece uma concatenação de sequências hilárias e, como no melhor do cinema francês, também um pouco de poesia.
*Essa crítica faz parte da cobertura do Festival Varilux de Cinema Francês 2017.
Pôster:
Ficha técnica
Ano: 2016
Duração: 83 min
Nacionalidade: França
Gênero: comédia
Elenco: Fiona Gordon, Dominique Abel, Emmanuelle Riva
Diretores: Fiona Gordon e Dominique Abel
Trailer:
Imagens: