Por Luciana Ramos
Quando Sofia Coppola despontou no cenário independente americano com “As Virgens Suicidas”, ela surpreendeu pelo talento em capturar a melancolia feminina. Seus filmes são, em geral, pouco afetados (esteticamente falando) e sutis, voltados para explorar a complexidade da vida de suas personagens, que volta e meia sentem-se sufocadas nas arquiteturas de suas vidas.
Seu mais novo longa, “Priscilla”, dialoga especialmente com “Encontros e Desencontros” e “Maria Antonieta” no sentido de desvendar a solidão e isolamento sentidos por mulheres postas em gaiolas douradas. Elas possuem tudo e nada ao mesmo tempo, já que lhes falta autonomia ou propósito. No caso da biografia de Priscilla Presley, mais conhecida como a esposa de Elvis, há um ingrediente adicional que transforma a narrativa: a diferença de idade.
Priscilla (interpretada belamente por Caillee Spaeny) só tinha 14 anos quando conheceu Elvis em uma instalação militar na Alemanha. Morando ali por causa da profissão do pai, sua vida era pequena e pouco significativa e, portanto, a aparição do cantor é como um poderoso sol que coloca sua existência em nova órbita. Dez anos mais velho, ele precisa se adequar a alguns costumes adolescentes, como buscá-la na porta de casa e ter horário para voltar, o que imbui esse romance de um leve desconforto.
Essa é uma sensação que permeará a experiência, visto o claro desequilíbrio de poder que marca o relacionamento. Elvis já é um ser completo, autoconfiante e bajulado pelo sucesso, usando esse poder para conseguir o que quer. Já Priscilla, do alto dos seus 14 anos, não possui um senso de autonomia que defina uma personalidade forte; é, portanto, moldável à vontade de agradar seu novo namorado.
Em pouco tempo, ela é colocada em Graceland para esperar por Elvis enquanto ele sai em turnê e vai fazer alguns filmes. Seus dias são divididos entre ir à escola (ensino médio) com o sogro, brincar com um cãozinho dentro dos confinamentos da propriedade ou desfilar pelos imensos corredores vazios. Nem mesmo dialogar com as demais funcionárias do local é amplamente permitido, visto que sua presença é interpretada pelo pai do cantor como um incômodo. Na visão de todos que a cercam, Priscilla está ali para desempenhar um papel, o de fazer qualquer coisa para manter Elvis feliz.
Claramente, trata-se de um relacionamento complicado, que perpassa conceitos de grooming (aliciamento) e abuso, mas a narrativa nunca define os personagens em predador e vítima. É enfatizado o amor verdadeiro entre os dois e, embora inúmeras passagens amplifiquem as problemáticas dessa construção romântica, ela não adere um tom condenatório.
Essa escolha deriva primariamente de um pedido da própria Priscilla Presley, que participou ativamente da produção do filme. Suas entrevistas sobre o processo são extremamente interessantes, pois revelam uma mulher que encarava sua jornada de forma natural até pouco tempo, mas recentemente vem reavaliando o peso que cada escolha teve em sua formação, visto a sua incapacidade na época de expressar de dizer não. É realmente uma trajetória complicada e simplificá-la na tela poderia quebrar o elo de confiança estabelecido entre ela e a diretora.
Não é da índole artística de Coppola, por sua vez, abandonar a complexidade a fim de abraçar a polêmica. Sua verve sempre foi mais delicada. Neste filme, como nas suas obras anteriores, ela consegue ser bem-sucedida em construir diálogos que soam natural para os envolvidos, mas absurdos para as sensibilidades contemporâneas. Nesse desequilíbrio, constrói-se a sua linha argumentativa, que propõe uma reflexão sobre o peso de se estar em relacionamento onde o parceiro se sente à vontade para definir quem você é – não só se vestir ou arrumar o cabelo, mas como se portar, onde estar e com quem conviver.
Exatamente por se ater a um olhar menos condenatório, o filme cobra um preço, pois permanece aquém do seu potencial. Apesar de muito bem construído, ele parece um pouco repetitivo em alguns momentos por insistir na exemplificação de dinâmicas tóxicas. Ao mesmo tempo, passa por cima de momentos definidores da jornada de Priscilla, como o seu tempo em Los Angeles, em que romances extraconjugais são apenas implicados.
Em contraponto, a fotografia é um assombro, usando muito bem a discrepância de altura do par principal, Spaeny e Elordi, para enaltecer o poderio de Elvis sobre sua parceira. A rigidez da câmera, fruto do baixo orçamento do filme, alia-se ao distanciamento focal para compor belas (e tristes) imagens de Priscilla em espaços para parecem querer lhe engolir. Transitar sozinha entre eles parece uma experiência melancólica e sufocante.
Ainda que não seja o melhor filme da carreira de Coppola, “Priscilla” é um excelente exemplo das suas habilidades de diretora, encaixando-se na sua filmografia como mais uma jornada de libertação, dessa vez imbuída de um processo de formação de caráter poluído pelos ideais românticos de casar-se com uma estrela do rock.
Ficha Técnica
Ano: 2024
Duração: 1h 53 min
Gênero: drama, biografia
Direção: Sofia Coppola
Elenco: Cailee Spaeny, Jacob Elordi, Ari Cohen, Dagmara Dominczyk, Tim Post