Por Marina Lordelo

Os Estados Unidos têm problemas parecidos com o Brasil quanto ao vício em medicamentos e drogas, mas em um contexto social muito distinto pois, no país norte-americano, há uma preocupação individualizada e não uma questão de saúde pública, já que acomete muitas famílias de classe média e alta. O filme “Querido Menino” (2018) dirigido pelo belga Felix Van Groeningen, é uma adaptação da obra homônima de David Sheff (no filme interpretado por Steve Carell), que retrata o envolvimento do seu filho Nic Sheff (Thimothée Chalamet)  com drogas ilícitas. 

Interessante a dinâmica que Carell e Chalamet desempenham na tela. Em profunda conexão familiar, assumem uma relação que transita entre o desespero, desapontamento, euforia e condescendência. E apesar de ser uma adaptação bem aproximada da obra literária que conta uma história recente de personagens ainda vivos, os atores adicionam a família Sheff uma pessoalidade peculiar. Porém o autor, assim como os roteiristas, dispensam praticamente em toda a obra a presença feminina, que faz aparições pontuais na trama, nas figuras da madrasta Karen (Maura Tierney) e da mãe ausente Vicki (Amy Ryan), justificado pelo ponto de vista empático do pai que se envolve amplamente no problema do filho.

Um elemento interessante que conduz a narrativa é a desobrigação da culpa ou de justificativas familiares para fundamentar o vício de Nic. Costuma-se abordar a temática das drogas no cinema atribuindo este sentimento ao contexto familiar desorganizado, traumas ou ao abandono. No caso de “Querido Menino” o assunto é tratado como deve ser, como uma doença que é desenvolvida exclusivamente pelo consumo das drogas, com destaque para o uso de metanfetamina.

Obviamente, Nic apresenta um comportamento mais isolado na infância, inicia a sua experimentação com maconha, sentindo-se confortável em conversar com pai e até em dividir o cigarro com ele – elementos já discutidos no cinema de forma incisiva (“Eu, Christiane F”, de 1981 e “Diário de um Adolescente”, de 1995, por exemplo). O que diferencia a jornada do longa de Van Groeningen é justamente o tratamento da causa como um problema de saúde – a adicção.

E se a narrativa caminha em um sistema eficiente para contar a história de Nic e David, a montagem brilha ao garantir ao espectador as idas e vindas na linha temporal para apresentar de forma não-linear desde a infância até a adultez do garoto, sempre a partir das memórias de seu pai, privando o público de compreender como Nic tem acesso as drogas, quais suas influências pessoais ou como ele lida com a questão financeira.

Quando acessamos quase que exclusivamente a perspectiva de David, os roteiristas desobrigam o filme de atribuir causas teleológicas ao vício. A fotografia resolve também provocar sensações conforme o estado de consciência de Nic, como por exemplo em uma sequência no carro, quando ele está sob efeito de drogas, sua sensação é então acentuada pelo desconforto causado por flares gerados pelos faróis de outros veículos. Em contraponto, insere-se um dos momentos de lucidez, com seus irmãos no jardim, que brincam através dos flares da luz do sol que disputam a atenção da câmera. Ainda que com enquadramentos e movimentos de câmera conservadores, o fotógrafo belga Ruben Impens usa a luz a temperatura de cor para fazer emergir na tela as sensações e o estado de consciência de Nic. 

“Querido Menino” é uma história cheia de empatia, carinho e melancolia. O tema das drogas é tratado com devido respeito e responsabilidade e, sobretudo, como um problema de saúde, assumindo essa questão dos dísticos iniciais e finais do filme. Carell e Chalamet assumem uma dinâmica familiar extremamente eficiente, mas o filme deixa em segundo plano a relação que Nic teria tido com sua mãe e sua madrasta. Ainda assim, é delicado em colocar a família em um lugar respeitador, ainda que disposta a ajudar, mas dentro dos limites possíveis e permitidos.  

Ficha Técnica

Ano: 2019

Duração: 120 min

Gênero: Biografia, Drama

Diretor: Felix van Groeningen

Elenco: Steve Carell, Thimothée Chalamet, Maura Tierney, Amy Ryan

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Avaliação do Filme

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