Por Luciana Ramos
Aos 31 anos, Art Donaldson (Mike Faist) está no topo: além de ter vencido campeonatos importantes, estampa campanhas de maketing grandiosas ao lado da esposa e empresária, Tashi Duncan (Zendaya), com quem divide a paixão pelo tênis e pela filhinha, Lily. A falta de um último título para completar o Grand Slam e, assim, se firmar no panteão dos grandes tenistas mundiais, o assombra a ponto de paralisá-lo. Para reverter a situação, Tashi decide inscrever o marido em uma competição pequena e teoricamente fácil no estado de Nova York.
Lá, ele reencontra o ex-amigo e parceiro Patrick Zweig (Josh O’Connor), que permanece como um nome mediano no esporte após anos de dedicação. Jogando em pequenos torneios por dinheiro, ele vê na partida também uma chance de provar o seu valor e acertar as contas com o passado. A verdade é que sua criação privilegiada lhe deu uma aura arrogante de achar que seria o primeiro em tudo; após perder Tashi para Art, uma crise existencial se instalou, afetando negativamente seu jogo.
Essa partida na cidade de New Rochelle é o ponto guia do novo filme de Luca Guadagnino. Entrelaçados a cada set estão interações em diferentes tempos que apresentam as motivações de cada personagem e complexificam (e muito) o relacionamento entre os três. Não se trata apenas de dois amigos interessados em uma mesma mulher pois, como o diretor gosta de brincar, há uma vibe homoafetiva forte entre eles. Tashi, no entanto, representa para os dois um ideal feminino, de excelência no esporte, beleza e inteligência. Disputada a princípio em uma brincadeira adolescente como um troféu, ela logo mostra ser multifacetada: brincalhona, apaixonada e, acima de tudo, ambiciosa.
Ela vê Art como um veículo para realizar os seus sonhos frustrados, dispondo nele a pressão para atingir o lugar que ela sempre desejou – e isso inclui submetê-lo a encarar seus medos na quadra com Patrick, que ele considera um jogador superior. Tashi atua dentro e fora das quadras para elevar a tensão ao máximo, mostrando-se deliciosamente ambígua, como os bons personagens são. Porém, embora se inspire muito nas narrativas de thrillers eróticos que dominaram o cinema nos anos 80 e 90 (com alusões musicais diretas, como o uso de sintetizadores), “Rivais” felizmente escapa de uma construção reducionista ou misógina.
O roteiro de Justin Kuritzkes faz questão de pontuar que os três personagens trapaceiam quando acham necessário para ganhar o que quer que seja, são amplamente falhos e, de alguma forma, foram moldados nessa tóxica dinâmica a três. A narrativa vai expandindo seus dramas de maneira exponencial, culminando em um clímax realmente empolgante, algo raro no cinema enquadrado e formulaico atual, diga-se de passagem.
Não há freios nesse longa de Guadagnino: o diretor se permite experimentar (sem perder o foco) com texturas, criando uma vibe provocativa. As poucas cenas de sexo são condensadas a inúmeras sequências de insinuações, pontuadas visualmente com o uso de alimentos, por exemplo, ou pela música, usada à (quase) exaustão. Um beat eletrônico meio retrô é inserido toda vez que o diretor quer chamar a atenção para a tensão na tela – recurso já usado em outros tantos filmes, como “Amor à Flor da Pele”. Em uma cena, Caetano cantando em espanhol aparece para escancarar a melancolia do casal principal; já as músicas pop dos anos 2000 ajudam a sedimentar a história no tempo.
No terceiro ato, o diretor arrisca mais visualmente, utilizando enquadramentos um tanto estranhos, como planos subjetivos da bola de tênis, planos compostos (o rosto recortado de Tashi entre os dois rapazes) e outros recursos que parecem um pouco over, mas casam bem com suas intenções. “Rivais” é imperfeito mesmo, feito para provocar, engajar e divertir, conseguindo os três objetivos com excelência.
Parte do sucesso se deve à química do trio principal, composto por Zendaya, Josh O’Connor e Mike Faist. Além de saberem delinear as diferenças de seus personagens, os três parecem bem à vontade nas peles de Tashi, Art e Patrick. Eles brincam entre si, reforçando a tensão sexual que os define com olhares intencionais, toques ou trombadas. Zendaya, em especial, está excelente na pele de uma mulher de língua cortante e foco desmedido, mas que entrega seus reais sentimentos às vezes, quase sempre contra sua vontade.
Exuberante em sua imperfeição, “Rivais” oferece entretenimento de ótima qualidade. Vale a pena a sessão.
Ficha Técnica
Ano: 2024
Duração: 2h 11 m
Gênero: drama, romance
Direção: Luca Guadagnino
Elenco: Zendaya, Mike Faist, Josh O’Connor