Por Luciana Ramos

Steven Lauddem (Peter Dinklage) é um renomado compositor de ópera que sofreu um colapso nervoso há cinco anos e, desse então, não consegue superar o bloqueio criativo. Sua solução foi casar com a psicóloga, Patricia Lauddem-Jessup (Anne Hathaway), a quem se refere romanticamente como “doutora”. Exasperado pela incapacidade criativa, ele decide visitar um bar às 11h da manhã, onde conhece a frenética e cativante Katrina (Marisa Tomei).

Incapaz de impor sua vontade, Steven aceita o convite da mulher em conhecer sua casa, um rebocador meio velho e enferrujado que herdou do pai e de onde tira o sustento. Katrina vai enquadrando o homem até transar com ele, para então lhe revelar que ela é uma “viciada em amor” – fruto da sua obsessão por comédias românticas quando jovem. Entre o pânico de mais um problema para sua vida e a excitação de algo novo, o compositor finalmente desencanta mais uma obra, abertamente baseada no encontro pouco casual.

Alheia a tudo isso, Patricia continua a desempenhar com afinco as suas funções. Ela impõe aos pacientes a mesma disciplina com que trata o marido e seu filho adolescente, Julian (Evan Ellison). Cada vez mais, ela sente o ímpeto por higienizar os ambientes em que passa, passando a frequentar a igreja por interpretar a clausura das freiras como o ápice da limpeza. Ela também parece não se incomodar com o fato de que Magdalena (Joanna Kulig), sua faxineira, é sogra do seu filho: ele e Tereza (Harlow Jane) estão absolutamente apaixonados, trocando juras de amor eterno.

Além do claro desconforto de Magdalena com a situação, especialmente como ela espelha a sua própria experiência adolescente na vida da filha, o romance atinge um impasse quando Trey Ruffa (Brian D’acry James), padrasto de Tereza, decide interferir legalmente, denunciando Julian por crime sexual – valendo-se, para isso, da menoridade do casal. É uma manobra legal suja, mas de acordo com o sistema de valores de um homem de meia-idade que passa os finais de semana fingindo ser um soldado confederado. Trata-se de uma pessoa medíocre que tenta destruir a vida alheia (incluindo a da enteada) para forjar uma visão heroica de si mesmo.

É nesse ponto que a narrativa se desloca do cômico, voltado para as excentricidades dos personagens, para uma abordagem mais séria e dramática. Esse caminho desemboca em um terceiro ato que decide reunir quase todos em um único cenário, centrado em uma resolução estapafúrdia, mas plausível na realidade construída. É uma solução que lembra as screwball comedies, gênero americano muito popular dos anos 30 que unia romance com uma dose de loucura, apostando em reviravoltas pouco naturais para solucionar os problemas da trama.

O longa de Rebecca Miller não escapa de um certo incômodo pela trama excessivamente frouxa e, por vezes, desequilibrada. A dramaticidade da família de Tereza se contrapõe de maneira aberta ao tom jocoso de Patricia, seu filho, seu marido e até Katrina, a amante relutante deste. São dois escopos muito distintos que, embora ofereçam ótimas passagens, em especial quando coloca uma lupa nas neuroses de cada personagem, não formam um todo bem arquitetado.

Até certo ponto, as lacunas do roteiro são dirimidas pelas ótimas atuações do elenco, todo afiadíssimo na composição complexa de personagem cheios de peculiaridades. Destacam-se Peter Dinklage, que consegue imbuir Steven de um senso de humanidade que o afasta do ridículo, Anne Hathaway, superlativa na performance de uma neurótica com TOC, e Marisa Tomei, que surge como um farol iluminado no filme, imprimindo sua verve cômica característica na composição de uma rebocadora bruta e imperfeita, mas afável.

“She Came to Me” tem boas ideias, mas parece não saber como costurá-las em uma narrativa coesa e envolvente. Vale mesmo pelas atuações.

Essa crítica integra a cobertura da 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

Ficha Técnica

Ano: 2023

Duração: 1h42m

Gênero: comédia, drama, romance

Direção: Rebecca Miller

Elenco: Peter Dinklage, Marisa Tomei, Anne Hathaway, Harlow Jane, Joanna Kulig, Brian D’arcy James, Evan Ellison

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