Por Luciana Ramos
“Soundtrack” é o resultado da concepção artística da dupla de diretores 300ml (cuja identidade permanece em segredo) de acentuar a sensação de isolamento e solidão do seu protagonista através da ambientação do filme em um lugar minimalista e gelado. Para isso, reproduziram o Ártico em um estúdio na Barra da Tijuca, em parceria com a empresa carioca de efeitos especiais, Clã. O resultado é impressionante, uma vez que o espectador se sente completamente absorto na paisagem gélida, que em nenhum momento parece artificial.
Considerando o ineditismo desse tipo de produção no cinema nacional (nessa escala), o triunfo artístico já seria suficiente para satisfazer o anseio do público brasileiro em consumir uma obra de tamanho apuro estético. No entanto, “Soundtrack” recusa-se a limitar-se ao depuro visual, entregando diversas camadas de apreciação ao longo de sua projeção, unindo poesia e reflexão em uma trama coesa. Esta foca-se na jornada de Cris (Selton Mello), um fotógrafo brasileiro que viaja para uma base internacional no Ártico afim de conceber seu novo trabalho. Este consiste em tirar selfies enquanto ouve músicas pré-determinadas. Assim, posteriormente, quando um visitante for ao local de exposição, botar os fones de ouvido e ouvir a mesma música que ele vendo sua foto, poderá acessar suas sensações.
A ideia é recebida com escárnio pelo grupo de cientistas que o acolhe: Mark (Ralph Ineson), Rafnar (Lukas Loughran), Huang (Thomas Chaanhing) e Cao (Seu Jorge). Envolvidos em projetos de longa data, eles percebem a iniciativa de Cris como egoísta e vazia. O fotógrafo, por outro lado, não consegue conceber bem o envolvimento dessas pessoas em pesquisas com resultados tão distantes, que não envolverão o reconhecimento pessoal. Trava-se, dessa forma, um embate entre arte e ciência, que se desenvolve de maneira muito bonita através do descobrimento da complexidade do outro, que evolui para respeito e admiração.
Pequenas narrações em off sobre o pouso do homem na lua ou a concepção de felicidade de Hitchcock entrelaçam-se a debates sobre Deus e momentos aparentemente banais, mas de grande valor no desenvolvimento do relacionamento entre os personagens. Juntos, dimensionam questões como fé, o valor da vida humana e, paradoxalmente, sua pequenez diante da imensidão da natureza, entre outros temas. Com poesia e delicadeza, “Soundtrack” trabalha o tempo de forma dilatada, mas consegue manter um bom ritmo através da inserção contínua de novos obstáculos. Culmina, assim, em um belíssimo final, que eleva o tom do filme.
Os elementos narrativos e técnicos não funcionariam tão satisfatoriamente não fosse o trabalho dos atores, que criaram uma dinâmica orgânica entre seus personagens. O destaque fica por conta de Selton Mello, já que é seu olhar que guia o longa. Mesclando um ar introspectivo à momentos de desespero gritados, Mello exprime os sentimentos de Cris nas suas expressões faciais, tão bem captadas pela câmera.
Nas mãos dos 300ml, esta transita bem entre planos fechados, pautados no olhar, para outros mais abertos, dispostos a acentuar a solidão dos personagens em um ambiente tão inóspito. Estes são costurados por uma trilha sonora exclusivamente incidental, que por vezes soa estranha, distante dos temas melódicos comuns à produções cinematográficas, mas, exatamente por isso, bastante eficiente.
Assim, o longa revela diversas camadas de apreciação, tanto de cunho narrativo quanto estético. Sua qualidade artística é um símbolo do que o Brasil é capaz de atingir no cinema e, por conseguinte, seu lançamento é bem-vindo como um projeto fora do lugar comum, das fórmulas rasas. Por todas essas razões, “Soundtrack” merece ser visto.
Pôster:
Ficha Técnica
Ano: 2017
Duração: 112 min
Nacionalidade: Brasil
Gênero: drama
Elenco: Selton Mello, Seu Jorge, Ralph Ineson
Diretor: 300ml
Trailer:
Imagens: