Por Luciana Ramos

 

Há mais de uma década, George Clooney ouviu uma deliciosa premissa dos irmãos Coen: o uso do conceito do american way of life como instrumento perpetuador da hipocrisia da sociedade americana. Assim como fez com “Avé, Cesar”, o ator/diretor lutou para que esta ideia fosse levada adiante, mas os Coen já haviam desistido completamente. Foi quando resolveu tomar o roteiro para si e reescrevê-lo com a ajuda de Grant Haslov, adicionando uma subtrama que propunha levar a discussão à falácia pós-racial dos Estados Unidos, sempre desacreditada pelos casos emblemáticos de racismo.

 

Para tratar o tema, escolheu o subúrbio americano, retratado pela mídia (com ajuda dos filmes) como exemplo de comunidade harmoniosa e próspera para todos seus habitantes. Encaixa-se então a escolha de tratar a história a partir da perspectiva ilusória dos anos 50, que fomentava os princípios do consumo – atrelados à perfeição – a uma padronização moral, condizente aos valores do país.

 
 

 
 

Esta ideia emblemática de lugar é logo posta à prova com a mudança de uma família negra, os Myers (Leith M. Brooke, Karimah Westbrook e Tony Espinosa), para o bairro de Suburbicon. Recebidos com extrema hostilidade, fazem aflorar os enterrados ideais racistas, provocando uma convulsão social incapaz de ser contida. Logo ao outro lado da cerca, encontram-se os Lodgers: Gardner (Matt Damon), a sua esposa Rose (Julianne Moore), a cunhada Margaret (também vivida por Moore) e o seu filho Nicky (Noah Jupe). Um incidente violento e fatal os conduz a reformulação estrutural dos papeis familiares, levando o garoto, fio condutor moral da trama, a tentar compreender o significado dos eventos estranhos que rondam sua casa. Ao mesmo tempo, seu pai deve evitar o confronto com dois brutamontes e um auditor de seguros para manter o equilíbrio familiar.

 

A violência é o instrumento crítico da obra, usada para transparecer a intolerância pautada na pura ignorância, que revela a hipocrisia de valores nojentos escondidos sob o manto da moral. Contraposta, ela acentua os acontecimentos internos para ampliar o que acontece no exterior: a imbecilidade que é facilmente espalhada e caracterizada pela cegueira. “Suburbicon: Bem-Vindos ao Paraíso” consegue com eficácia tecer o seu comentário ácido, facilmente aplicado à polarização com que os Estados Unidos vivem desde as últimas eleições. No entanto, apresenta uma falha estrutural grave, que o afasta da excelência.

 

Esta refere-se à falta de aprofundamento dos personagens mais afetados do roteiro, os Myers. A eles não é concedida uma voz de embate: a mulher, quando assediada no jardim da própria casa, apenas continua a estender as roupas em silêncio; em outra ocasião, quando confrontada em um supermercado, resigna-se e sai sem suas compras. A situação do marido é ainda pior, pois nem sabemos o certo quem é, já que se limita a pouquíssimas falas.

 

 
 

Assim, essa família, tida como cerne da crítica, não passa de um instrumento superficial para criação do tema, uma condução que simplifica a questão. Em contraponto, um filme recente que ofereceu protagonismo ao personagem negro e teceu um comentário similar, porém bem mais aprofundado, foi o debut diretorial de Jordan Peele, “Corra!”, ao qual deixamos a mais sincera recomendação. A obra de Clooney, por sua vez, sofre pela falta de identificação do diretor com o tom proposto. Concebido como sátira social, “Suburbicon: Bem-Vindos ao Paraíso” jamais consegue trabalhar os seus elementos cômicos: a adição proposital dos óculos quebrados de Damon ou sua fuga a bordo de uma bicicleta infantil deveriam servir o humor a que a obra se propõe, mas uma má condução de ritmo torna-a, ao invés, engessada e plana, sem jamais atingir a nota que os irmãos Coen, por exemplo, conseguiram nos ótimos “Fargo” e “Queime Depois de Ler”.

 

Dessa forma, um filme com tema relevante e boa premissa perde um pouco do seu impacto por não saber trabalhar bem seus elementos temáticos e visuais. Parece algo genérico, similar a outras obras, sem o cunho autoral necessário para sua validação total. Ainda assim, mesmo com problemas, permanece interessante pelo paralelo crítico com que escancara a hipocrisia da sociedade americana.

 

Pôster

 
 

 
Ficha Técnica

Ano: 2017

Duração: 105 min

Gênero: comédia, crime

Diretor: George Clooney

Elenco: Matt Damon, Julianne Moore, Noah Jupe, Leith M. Brooke, Karimah Westbrook, Tony Espinosa, Oscar Isaacs

 

 

Trailer:

 

 

 

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Avaliação do Filme

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