Por Luciana Ramos

 

Em um mundo profundamente dividido dentro e fora das telas, o novo filme de um herói pautado nos conceitos de verdade e justiça carrega em si duas grandes promessas: o entretenimento usual do gênero e uma dose extra de reflexão, esta embalada por certo idealismo. O resultado é, ao mesmo tempo, cativante e bobo (no melhor sentido).

Trata-se da primeira empreitada da DC Studios, encabeçada pela Warner Bros. e capitaneada pela dupla James Gunn (roteirista, diretor e produtor) e Peter Safran (produtor). Esta é vista como a tábua de salvação da gigante do cinema para reverter os fracassos homéricos que marcaram seus últimos anos, a título das mais recentes empreitadas no mundo das HQs. Foi dada carta branca e um alto investimento para o desenvolvimento de “Superman”, que aposta em um visual colorido, toda sorte de conflitos e um elenco competente para se valer.

Ao centro, está uma narrativa mais pautada nos temas centrais da contemporaneidade, como a influência de bilionários em conflitos geopolíticos, máquinas de ódio e tantas outras distorções que põem à prova a fé na humanidade. O contraponto a tudo isso é exatamente o Super-Homem (David Corneswet), que toma suas decisões a partir de um rigoroso propósito de fazer o bem. A sua cena introdutória, no entanto, o mostra fraco e sangrando, uma boa representação do caráter essencialmente humano de um personagem que, curiosamente, veio de outro planeta.

A partir dos seus dilemas, exploram-se temas como o não pertencimento (dada a pecha do “estrangeiro” cunhada a ele), o valor das vidas de diferentes estratos e regiões, e a dicotomia entre genética e criação, ou o quanto somos moldados por nossas escolhas. Clark Kent se sente ainda mais ofendido quando algumas dessas preocupações são expressas por Lois Lane (Rachel Brosnahan), cumprindo seu papel de jornalista e namorada ao mesmo tempo.

Pode-se dizer, portanto, que este deve ser o filme mais político do herói de capa vermelha, mas isso não é uma coisa ruim. Pelo contrário, já que a arte desde sempre serve de estofo para intepretações acerca da realidade apresentada e, devidamente embaladas, podem ser degustadas e servirem de guia para reflexões importantes sobre quem somos, como chegamos aonde estamos e até para que direção devemos seguir.

Afinal, é preciso lembrar que o personagem foi originalmente concebido em 1938 por dois homens judeus, Jerry Siegel e Joe Shuster, que estavam assustados com a ascensão do Nazismo na Alemanha e, em outro patamar, percebiam o clamor estadunidense por um salvador que pudesse dar cabo da Grande Depressão Americana. Dadas as dantescas similaridades com o cenário global atual, é de se esperar que almejemos, ao menos nas telonas, por uma figura que nos reafirme valores tão essenciais quanto bondade e justiça.

O maior triunfo do filme de James Gunn é oferecer um amplo escopo temático sem perder de vista o fato de que a obra é baseada em heróis de capa e superpoderes e, por isso, não pode se levar tão a sério. Ele incute ao longo da narrativa personagens e situações ridículas, que conferem certo equilíbrio à experiência. Lembra os seus filmes na Marvel, assim como a sua versão de “Esquadrão Suicida”, sucesso que o fez ser contratado para assumir a produção de todos os filmes vindouros da DC Studios.

A ânsia de apresentar tanto em pouco tempo oferece uma leve sensação de excesso de estímulos, mas esta é facilmente superada por uma verdade muito simples: “Superman” é bom, emocionante em alguns momentos e divertido o tempo todo. Design de produção e figurinos atuam em conjunto para criação de uma robustez visual, enaltecida por uma direção de fotografia competente, que enfatiza o mito (e, em especial, o símbolo do peito) em momentos de ação, mas, de resto, contém-se.

Muito se ganha também do ótimo elenco, encabeçado por David Corneswet, Rachel Brosnahan e Nicholas Hoult como o vilão Lex Luthor, retratado como um bilionário da tecnologia recalcado. Seria qualquer semelhança com a realidade uma mera coincidência? Um destaque inesperado e feito em CGI é o cãozinho Krypto, que ajuda e atrapalha em iguais proporções e arranca boas risadas no caminho.

“Superman” não é perfeito, mas, com honestidade no tratamento dos seus temas e doses equilibradas de tensão e humor, oferece frescor a um gênero tão saturado e, dessa forma, indica para um futuro promissor da DC Studios. Que venham mais filmes como esse.  

Ficha Técnica

Ano: 2025

Duração: 2h 09 min

Gênero: super herói, ação, aventura, ficção científica

Direção: James Gunn

Elenco: David Corneswet, Rachel Brosnahan, Nicholas Hoult, Sara Sampaio, Wendell Pierce, Skyler Gisondo, Isabela Merced, Anthony Carrigan, Nathan Fillion, Edi Gathegi

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