Por Luciana Ramos

Durante a tumultuada produção dos novos filmes da franquia “Missão: Impossível”, previstos para 2023 e 2024, Tom Cruise teria dito aos executivos da Paramount que ele é uma das últimas estrelas de Hollywood. A intenção era a liberação de mais verbas em um projeto já notoriamente bem mais caro que o planejado, e sua argumentação baseava-se no modo como ele transita por Hollywood: dedicando-se a longas pensados como experiências cinematográficas, que contam com uma base fiel de espectadores que validam suas ideias – e o seu dote.

Apesar das inúmeras polêmicas que envolvem o seu nome (sendo a maioria ligada à sua participação na Cientologia), Cruise mantém a solidez e, mais importante, a excepcionalidade que marca as ditas estrelas da indústria cinematográfica. Sem ter se abalado pela promessa de constante exposição de redes sociais – que aproximam atores e fãs – ele mantém a distância saudável para perpetuação de sua imagem como um ser “especial”. Esta é reforçada pela sua insistência em veracidade, desdobrada na execução sem dublês ou CGI de passagens perigosas nos seus projetos de ação, seja escalando ou saltando prédios, nadando no fundo do mar ou, no caso do novo Top Gun, pilotando caças de última geração (por vezes, de cabeça para baixo).

“Top Gun: Maverick”, continuação do sucesso de 1986, pauta-se nos atributos de Cruise para se sustentar, colocando-o na narrativa como mentor para uma nova geração. O Capitão Pete “Maverick” Mitchell (Tom Cruise) é conhecido tanto pela teimosia e desafio à autoridade quanto por seus feitos quase inimagináveis. A partir de uma sugestão do amigo Iceman (Val Kilmer), ele é convidado pelos almirantes Beau “Cyclone” Simpson (Jon Hamm) e Solomon “Warlock” Bates (Charles Parnell) a retornar ao programa Top Gun para treinar uma turma de novatos em uma missão extremamente perigosa.

Tom Cruise plays Capt. Pete “Maverick” Mitchell in Top Gun: Maverick from Paramount Pictures, Skydance and Jerry Bruckheimer Films.

O piloto aceita relutantemente ao saber que um de seus integrantes é ninguém menos que Rooster (Miles Teller), filho do seu antigo companheiro de equipe Goose. As limitações de segurança e tempo interligadas à missão aumentam a pressão sobre Maverick, que ainda é forçado a lidar com dramas mal resolvidos e um amor que ressurge do passado, a descolada Penny (Jennifer Connelly), dona do bar local.

Propondo-se a oferecer um entretenimento leve e escapista, o longa dirigido por Joseph Kosinski sabe reconhecer que o seu potencial se encontra nas sequências de ação e, assim, investe passagens generosas da narrativa no ar, onde caças se cruzam em altíssima velocidade ou desafiam instruções técnicas ao voarem em nível abaixo do esperado. O balé acrobático que se compõe não chega ao nível estético que Tony Scott imprimiu no primeiro filme, mas é bem competente em despertar uma gama diversa de sentimentos – emoção, ansiedade, alegria – nos espectadores, que se contagiam em igual proporção pelo senso de perigo e apelo emocional do filme.

Ao centro, está Cruise com o seu eventual perfeccionismo. A fim de garantir a veracidade das sequências mais alucinantes, ele não só pilotou diferentes caças, como obrigou o elenco a fazer o mesmo. Miles Teller, Glen Powell, Monica Barbaro, Jay Ellis, Danny Ramirez e outros foram treinados intensamente pela Marinha durante três meses e ensinados por Cruise a filmarem enquanto voavam. Esse tipo de engajamento realmente faz diferença no produto fílmico, alavancando-o em termos qualitativos e, não obstante, garantindo maior durabilidade a obra, visto que os efeitos práticos tendem a envelhecer melhor no cinema.

Mesclada à dedicação em oferecer algo surpreendente nas cenas de ação está o conforto nostálgico que permeia o restante da trama. Sem nenhum tipo de embaraço, o longa recicla temas, músicas, personagens e dramas, aceitando sua condição como uma “sequência de legado” e, assim, renunciando a maiores ousadias narrativas. Apesar de conferir maior protagonismo à personagens negros e femininos, não consegue se desvencilhar de antigos clichês referentes à masculinidade, reforçando ideias trabalhadas no longa de 1986 sem maior apuro crítico. Quanto à promessa de entretenimento, consegue cumprir bem o seu papel e revelar-se, no caminho, superior a outras aventuras do gênero, dado o nível de cuidado que a equipe teve com o material original.

Ainda mais louvável é o senso de homenagem que permeia a produção, notada na inclusão e/ou lembrança daqueles que foram fundamentais ao sucesso de “Top Gun – Ases Indomáveis”. Além do destaque de Cruise nas telas e da presença de Jerry Bruckheimer na cadeira de produtor, é muito bom ver a inclusão de Charles Parnell na narrativa e expansão dos limites do seu personagem, antes quase confinado a figuração. Já o modo extremamente cuidadoso e reverencial com que Val Kilmer foi tratado revela carinho e respeito, também notado pelas dedicatórias aos falecidos Don Simpson e Tony Scott, figuras essenciais na produção deste e de tantos outros blockbusters dos anos 80 e 90.

Ficha Técnica

Ano: 2022

Duração: 2h 11 min

Gênero: ação, drama

Direção: Joseph Kosinski

Elenco: Tom Cruise, Jennifer Connelly, Val Kilmer, Jon Hamm, Charles Parnell, Miles Teller, Monica Barbaro, Glen Powell, Jay Ellis

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