Por Bruno Tavares
O Século XVIII ficou conhecido como o século das luzes devido ao movimento do Iluminismo, a Revolução Francesa e também ao início da Revolução Industrial. Porém, antes da chamada era da razão, os monarcas das grandes potências europeias faziam do continente um tabuleiro de xadrez gigante. Países como França, Inglaterra, Espanha, Alemanha e Áustria vivam em pé de guerra para aumentar seus territórios e sua influência além-mar. A paz era difícil de ser conquistada e, muitas vezes, só acontecia por um motivo: o casamento.
Para manter a harmonia entre as nações, era comum usar o matrimônio e unir as linhagens reais. A artimanha garantia influência na corte vizinha e impedia novas guerras. É nesse cenário político que se passa a trama de “Troca de Rainhas”, primeiro filme do diretor Marc Dugain. Nele, acompanhamos o início do reinado de Luís XV (Igor van Dessel) que, por ainda ser uma criança, tinha como regente o Duque de Orleans (Olivier Gourmet). Para manter a tranquilidade com a vizinha Espanha e com o Rei Felipe V (Lambert Wilson), o duque organizou um escambo de princesas: sua filha, Luisa Isabel (Anamaria Vartolomei), iria para a corte espanhola desposar o príncipe Luís I (Kacey Mottet Klein). Em troca, a pequena Mariana Vitória (Juliane Lepoureau), filha do rei Felipe V, viria para Versalhes onde casaria com Luís XV.
Apesar do excesso de nomes, em tela a o filme se desenrola de maneira clara. A opulência comum às duas cortes embaralha a mente do público, mas aos poucos a produção pinta tons distintos para cada país. Nesse processo, a fotografia é um elemento narrativo essencial. As cenas na França geralmente são claras e ensolaradas, antecipando os pensadores iluministas que iriam nascer ali. Enquanto isso, a Espanha é retratada de maneira escura e repleta de tons fechados. Com isso, a fé cega dos reis católicos fica ainda mais evidente, assim como seu apego às regras e repúdio ao desconhecido, características que deram origem ao monstro da Inquisição.
Com grande apreço à reprodução dos fatos históricos, o longa traz à tona temas como o excesso de formalidade da realeza e a disseminação de doenças como varíola e coqueluche, que dizimavam a população sem fazer distinção de fronteiras ou classes sociais. Numa esfera mais polêmica, ganham destaque assuntos como a homossexualidade presente nas cortes e os casamentos reais. As princesas eram consideradas produto de troca e, uma vez negociadas, iam para um país estrangeiro sem chance de volta, perdendo total contato com sua cultura, seus familiares e amigos. Os sentimentos não eram considerados neste tipo de união, muito menos a idade, visto que por vezes os matrimônios aconteciam entre crianças. Apesar de hoje acharmos essa prática inconcebível, ela foi muito popular entre as cortes europeias e ainda acontece em países árabes e orientais.
Para reproduzir tantas questões, o roteiro simplifica os personagens e lhes concede características específicas. Como o elenco é grande, cada um deles possui pouco tempo de tela e não ganha um desenvolvimento mais aprofundado. Dessa forma, a pequena Mariana Vitória é a personificação da inocência que aceita de bom grado seu destino. Luís XV, seu consorte, apresenta traços melancólicos, resignados e por vezes depressivos, fruto de sua abdicação da infância pela coroa. No extremo oposto temos Luisa Isabel, um espírito livre que despreza as convenções sociais e luta contra o matrimônio que foi obrigada a contrair. Por fim, Luís I, herdeiro do trono espanhol, é um jovem tolo e amoroso, que anseia por conhecer os prazeres da carne.
Essa separação arquetípica torna as figuras dramáticas rasas, em especial os adultos, que apresentam atuações um tanto caricatas. Por reproduzir um contexto histórico confuso, o filme sacrifica o visual e insere em lettering informações que poderiam ser passadas ao público de outra maneira. Assim, ganham espaço na tela o famigerado “alguns anos depois…” ou o país em que determinada sequência se passa. Todos esses problemas culminam na montagem paralela, que falha no ritmo e concede às cenas um caráter episódico que aos poucos vai se tornando enfadonho.
Felizmente outros aspectos técnicos agradam. O trabalho das equipes de figurino e design de produção é acurado e se apresenta suntuoso na tela grande. Os movimentos de câmera, sempre sóbrios e econômicos, são condizentes com o gênero. De forma eficaz, os enquadramentos mantém o expectador na história e reforçam os sentimentos de clausura em meio à suntuosidade vivenciados pelos personagens. Tudo isso é embalado por uma trilha sonora primordialmente diegética, que se omite durante os principais acontecimentos.
Em determinado momento, a ama de criação dos nobres francófonos repreende Luisa Isabel por querer viver aventuras. Ela afirma que do tédio podem surgir as melhores ideias. Dessa frase simples podemos extrair o cerne de “Troca de Rainhas”: mesmo que reproduza com perfeição a época em que se passa, o filme não consegue se tornar memorável e chega mesmo a ser monótono. Ao retratar o século das luzes, o diretor Marc Dugain não foi iluminado por novas ideias. Resta esperar que seu futuro seja mais brilhante que o da corte francesa.
Pôster:
Ficha Técnica:
Ano: 2017
Duração: 100 min
Gênero: Drama, História
Diretor: Marc Dugain
Elenco: Igor van Dessel, Olivier Gourmet, Anamaria Vartolomei, Kacey Mottet Klein, Juliane Lepoureau, Lambert Wilson
Trailer:
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